Relacionamento com consumidores trará relevância ao varejo no pós-pandemia -

Relacionamento com consumidores trará relevância ao varejo no pós-pandemia

Em entrevista exclusiva, Geovane Fagundes, sócio da PwC, destaca aumento do interesse de players de tecnologia e setor financeiro pelo consumidor final como ameaça importante para o varejo

Lucas Torres [email protected]

Uma das empresas mais relevantes do mercado mundial na análise de perfil comportamental dos consumidores, a PwC acaba de divulgar mais uma edição do seu tradicional estudo ‘Global Consumer Insights’.

Em 2021, o survey teve como destaque a revelação de tendências que se aceleraram durante a pandemia e que – segundo a consultoria e auditoria – podem ser duradouras para o segmento varejista.

A fim de repercutir alguns dos apontamentos da pesquisa, bem como inseri-los de maneira mais direcionada no momento conjuntural brasileiro, convidamos o sócio da PwC Brasil – Geovane Fagunde – para uma entrevista exclusiva nesta edição de outubro.

Segundo o executivo, a acentuação da exigência por conveniência e experiência por parte do consumidor, somada ao momento de instabilidade econômica do país, colocou enorme pressão sobre as empresas varejistas brasileiras.

Isso porque além de verem suas margens de investimento estranguladas pela conjuntura, essas empresas têm tido de conviver com o aumento do interesse de players economicamente poderosos no mercado de consumo – tais como grandes companhias de tecnologia e instituições financeiras.

Ao longo do bate-papo, Fagunde apontou a utilização de décadas de contato íntimo com seus clientes e dos insights únicos de técnicas de fidelização propiciados por esse histórico um único caminho como alternativa de sobrevivência e manutenção do protagonismo do varejo como ‘distribuidor final’ da cadeia nos próximos anos.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Novo Varejo – As vendas remotas tiveram um salto muito grande durante a pandemia, quase dobrando de tamanho em termos de representatividade no faturamento do varejo ao longo da pandemia (saindo de 5% para 10%). Como você tem visto a acomodação deste cenário neste momento que, na prática, já podemos começar a chamar de ‘pós-pandemia’?

Geovane Fagunde – O percentual de vendas remotas vai ser cada vez mais representativo dentro do varejo. Hoje, além do e-commerce tradicional, este nicho engloba outras modalidades – vai do mobile às mídias sociais, e está chegando até à própria televisão que começa a se colocar como um canal de venda para o varejo.

É um cenário sem volta e esses canais alternativos vão seguir ocupando um espaço grande no volume de vendas.

Novo Varejo – Seguindo nessa linha de discussão do cenário pós-pandêmico. De que maneira você avalia o momento de retomada do setor de varejo no Brasil? A recuperação projetada para o momento de retirada das restrições por conta da pandemia da covid-19 está deixando um pouco a desejar? Segundo o IBGE, por exemplo, o mês agosto apontou recuo nas vendas em relação a julho.

GF – De fato, a gente esperava um momento melhor. Mas a inflação tem pesado bastante neste momento de arrefecimento da pandemia.

E pior do que a inflação por si só é a sua natureza. Estamos vivendo uma inflação de custo e não uma inflação de demanda. Isto é, o preço não está aumentando por um desejo maior de consumo e uma pressão sobre a oferta, mas está aumentando porque o produto em si está mais caro.

Isso inibe uma volta total nos níveis que eram esperados de retorno no chamado pós-pandemia.

É importante notar que este movimento não está se restringindo apenas ao Brasil. Podemos notá-lo na Alemanha, nos Estados Unidos e em outros países da Europa. Questões como o encarecimento da energia e o maior gasto com mão de obra para o cumprimento dos protocolos de distanciamento social são alguns dos fatores que tem exercido pressão sobre este momento de inflação generalizada.

Novo Varejo – Você mencionou que a questão das vendas remotas por meio do ambiente digital é um movimento consolidado. Isto me parece – inclusive – assunto superado. Os varejistas em geral já compreenderam este novo momento.

Mas, dentro deste contexto, me parece que estamos já em um momento de amadurecimento do digital onde vender em múltiplos canais já não é suficiente. É preciso conseguir também entregar a melhor experiência possível também na venda remota. Você concorda com essa análise?

GF – Sem dúvida. Falar do digital no varejo já não é mais uma questão de discutir se isso ‘vai vingar ou não’. Já é fato. Está aí. E todos precisam se adequar o mais rápido possível.

Dito isso, estamos em uma fase em que o digital tem de vir acompanhado de uma experiência do consumidor. Durante a pandemia o consumidor brasileiro passou a experimentar mais disso, de receber o produto mais rápido, ter condição de fazer essa compra em vários tipos de canais de maneira fluida.

A questão é que essa corrida por entregar a melhor experiência digital possível acaba colocando o varejo em uma situação de dificuldade. Ao passo que tem se tornado muito mais difícil manter a fidelidade do cliente.

O consumidor de hoje escolhe a conveniência. Quando ele quer comprar o produto, ele quer a melhor qualidade, o menor custo, com o menor prazo de entrega e que apresente mais facilidade na hora de executar a compra.

Esse perfil de consumidor cada vez mais claro levanta uma discussão muito séria sobre a detenção do domínio dessa cadeia de consumo. Já não sabemos mais quem vai dominar este novo momento.

Será que vai ser o varejista – cuja maior vantagem é conhecer o cliente? Ou vão ser os novos players que estão adentrando no mercado, como as grandes plataformas de tecnologia ou as instituições financeiras que, percebendo o potencial deste mercado, já começam a entrar na disputa oferecendo suas facilidades e condições particulares.

Esse acirramento da disputa fica muito claro quando vemos os grandes bancos brasileiros anunciando sua entrada no varejo de consumo – indo além da barreira do varejo financeiro.

Vejo tudo isso como um grande desafio para as empresas varejistas já que, em geral, elas não possuem o capital de investimento necessário para competir com estes novos players. A bem da verdade, em termos de capital, ele acaba sendo um peixe pequeno neste cenário.

Novo Varejo – Já que os varejistas não possuem o capital para competir com um Google, um Facebook e os bancos que você bem citou – qual é a alternativa plausível para que eles possam se manter competitivos no topo da cadeia do consumo?

GF – A grande vantagem do varejista é o conhecimento que ele tem do consumidor. Afinal, há muito tempo ele lida na chamada ‘ponta’. Isto é, em contato direto com o consumidor final.

Portanto, para mitigar as dificuldades geradas por essa menor capacidade de investimento, ele tem de encontrar formas de fidelizar seu consumidor pela via do relacionamento. Afinal, o consumidor segue querendo ser surpreendido.

Quem compra quer saber: o que eu ganho a mais aqui na comparação com o outro lugar? O que é que este vai me trazer de diferenciação em relação ao outro?

Muitas vezes esses diferenciais moram nas coisas simples. Quando você recebe o sanduíche em casa e vem um cartãozinho ‘obrigado por ter comprado conosco’, isso já conta pontos para a fidelização.

Quando você é provocado por uma coisa que você acha interessante, por uma oferta direcionada…

Essa mesma premissa pode ser aplicada também no setor de autopeças. Você está comprando uma peça para o veículo tal e recebe uma oferta de um acessório interessante que pode ser agregado no pacote por um preço diferenciado.

Tipos de combos como estes. Ofertas inteligentes e direcionadas fatores para serem considerados pelos varejistas nessa disputa pela manutenção da relevância.

Novo Varejo – Estamos falando das dificuldades das empresas de varejo em geral com este avanço de diversos players sobre os consumidores finais. Mas imagino que quando reduzimos este enquadramento para negócios de pequeno porte a situação passa a ficar ainda mais difícil, não? Não apenas pela menor capacidade de investimento, mas também por um gap natural em termos de expertise e recursos intangíveis.

Como você vê este cenário? Você acredita que a maior exigência do consumidor pela conveniência digital aumenta a pressão sobre esse perfil de empresas?

GF – Infelizmente este é um momento, sim, de grande dificuldade para os pequenos negócios. É inegável que a aceleração da digitalização do varejo promovida pela pandemia retirou algumas das vantagens mais tradicionais dessas empresas.

O que se esperava que fosse acontecer em 2030 está acontecendo agora, em 2021.

Isso dito, eu saliento que ainda existe espaço para as pequenas empresas de varejo, desde que elas encontrem seus nichos. Isto é, seus pontos específicos de diferenciação em relação aos grandes.  Se elas não acharem isso, estão mortas. Infelizmente é isso.

Não adianta querer competir de igual para igual, é preciso ser inteligente e estratégico – usando a proximidade com o consumidor como diferencial.


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