Roda de economistas do NV mostra otimismo com a economia do Brasil em 2024 -

Roda de economistas do NV mostra otimismo com a economia do Brasil em 2024

Convidamos quatro profissionais para uma análise sobre os principais pontos da conjuntura nacional e seus impactos no varejo e no setor automotivo

A previsibilidade é um dos fatores mais importantes para a conjuntura econômica de um país. Afinal, a solidez de uma expectativa de alta ou de baixa permite que empresários e investidores possam tomar decisões mais assertivas de curto, médio e longo prazo. Nesta esteira, economistas brasileiros têm mostrado certo otimismo em relação a 2024, à medida que o ano começa não apenas em meio a um ciclo de queda de juros locais e internacionais, como também com a perspectiva concreta da continuidade deste movi – mento para os próximos meses.

Ainda em relação à expectativa, o calendário atual se inicia com a certeza de que o sistema tributário não será o mesmo nos próximos anos, dada a aprovação e promulgação por parte do Congresso Nacional de uma reforma ancorada na simplificação de impostos esperada pelo empresariado há mais de três décadas. Para analisar e detalhar toda essa conjuntura e o que ela significa para setores como varejo e mercado de automóveis, o Novo Varejo promoveu uma roda de análises com quatro economistas habituados a dissecar o mercado em profundidade: Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria; Carla Beni, professora de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV); Felipe Sichel, economista-chefe da Porto Asset; e Raphael Citron, gestor de Renda Variável também da Porto Asset.

Confira a seguir a íntegra das reflexões e saiba o que esperar da economia brasileira durante 2024.

Novo Varejo: O Brasil e boa parte do mundo ocidental estão começando 2024 com a expectativa do início de um ciclo de quedas nos juros. Você considera que esse cenário irá moti – var investimentos e estimular a atividade econômica por aqui?

Alessandra Ribeiro – De fato, a gente deve observar. Existem vários países entrando num ciclo de queda de juros, inclusive os países desenvolvidos, que devem fazer parte desse cenário mais a partir de meados desse ano. No Brasil, a gente espera um movimento continuado e um cenário em que a Selic chegue ao patamar de 9,5% no final do ano que vem. No que diz respeito ao impacto na economia, especificamente para o Brasil, a gente espera que deva se refletir mais sobre economia e especificamente sobre os investimentos na segunda parte do ano. Então, olhando para os investimentos na economia, nós temos um quadro melhor nesse ano de 2024 do que em relação a 2023. Só para vocês terem uma ideia, em 2023 a gente estima que os investimentos na economia tenham caído cerca de 2%, enquanto que para 2024 a gente espera um crescimento de 2,3%.

 Carla Beni – A economia funciona com trajetórias e expectativas. Então, quando você inicia um ciclo de queda de taxa de juros, isso define uma política monetária de expansão. Essa política é uma expansão da liquidez do crédito, da atividade econômica, e ela diminui o custo do dinheiro. Esse cenário tende a motivar os investimentos? Sim, mas o ponto mais relevante a conservar é uma queda da taxa real de juros (SELIC menos IPCA). Quanto menor ela for, melhor será para a economia como um todo, para o setor produtivo e para os investimentos.

Felipe Sichel – Nosso cenário prospectivo indica que o ciclo de cortes da taxa Selic, iniciado em meados do ano passado, prosseguirá ao ritmo de 50 pontos-base por reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB) até que a taxa Selic chegue em 9,25%, o que ocorrerá em julho. A dinâmica inflacionária, apesar de ter melhorado significativamente, ainda apresenta elementos de desafio para o Copom. Ao mesmo tempo, as expectativas de inflação de horizontes mais longos, apuradas pelo Boletim Focus, estão acima da meta de inflação. Soma-se ainda que os riscos em torno da política fiscal sugerem que há grande chance de vermos novamente déficit primário em 2024. Confirmando-se estes determinantes, torna-se pouco provável que o Copom consiga levar a taxa Selic para baixo de seu patamar neutro. Assim, antevemos o crescimento de 1,5% do PIB durante o ano de 2024.

Novo Varejo – No que diz respeito à economia de consumo, o país ainda vive um momento de inadimplência significativo, a despeito de ações como o ‘Desenrola’. Você acredita que isso pode inibir o desempenho de setores como o varejo?

Alessandra Ribeiro – Bom, de fato a gente ainda tem um quadro de inadimplência alta de pessoa física, mas a gente já começou a ver uma reversão dessa inadimplência. O Desenrola realmente ajuda nesse processo, mas a gente acredita que essa inadimplência deva continuar caindo agora ao longo desses próximos meses, ao longo de todo o ano, contribuindo para uma situação de menor percepção de risco pelos bancos e, nessa esteira, uma maior oferta de crédito, inclusive uma oferta de crédito com mais qualidade, com linhas melhores, com juros mais baixos e prazos maiores. E esse ambiente, na verdade, deve se traduzir numa melhora da situação financeira das famílias. Inclusive, quando olhamos para o comprometimento de renda das famílias com o pagamento desse crédito, percebemos que esse comprometimento já começou a cair e a nossa avaliação é que deve cair mais em 2024. Então, essa situação financeira vai estar mais folgada em 2024. Favorecendo em especial alguns segmentos do varejo, principalmente os que são mais dependentes de crédito, como é o caso dos móveis, eletrodomésticos e material de construção.

Carla Beni – O Desenrola é um programa importantíssimo e foi prorrogado até março. Então, a gente espera que ele siga tendo um impacto na diminuição da inadimplência da população. Junto dessa expectativa, há ainda a limitação dos juros do cartão rotativo a 100% que, embora bem acima de outros países e ainda exacerbado, é bem melhor do que os mais de 400% que tínhamos até então. Temos ainda um outro movimento muito importante, que é a portabilidade do financiamento pelo setor financeiro vinda do chamado Open Finance – que chega junto com o aumento real do salário-mínimo e uma menor desocupação da população. Tudo isso consiste em uma combinação muito mais favorável para o varejo em 2024, colocando-o potencialmente como um dos grandes motores da nossa economia ao longo do ano.

Felipe Sichel e Raphael Citron – Os indicadores de crédito mais recentes divulgados pelo Banco Central mostram que a inadimplência começou a reverter a trajetória de ascensão observada desde meados de 2021. Nossa expectativa é de que a Selic siga sendo reduzida até meados de 2024, o que somado à queda na inflação sugere menor comprometimento de renda das famílias e, consequentemente, permite que a inadimplência siga em queda.

Novo Varejo – Recentemente, o Brasil aprovou a reforma tributária. Você acredita que ela deverá ter impactos imediatos na economia brasileira?

Alessandra Ribeiro – De fato, acho que é uma reforma bastante importante. A gente avalia que deva, sim, existir impacto de curto prazo na economia brasileira, especialmente pelo canal da expectativa. Ou seja, o Brasil está avançando numa reforma estrutural importante, o que deve gerar movimentações principalmente dos agentes financeiros na direção de precificar melhor essa reforma tributária. Esse, inclusive, é um movimento que já aconteceu por uma agência de rating e acho que pode acontecer por outras também, melhorando a avaliação em relação ao Brasil. Então, esses efeitos iniciais devem existir. Obviamente ainda são pequenos em relação aos maiores efeitos da reforma que devem vir ao longo de sua implementação. Ao final do período, por volta dos anos de 2032 e 2033, é que a gente deve observar os maiores impactos.

Carla Beni – Nossa economia vai trabalhar com trajetória e expectativa. Então, a expectativa é de uma melhora porque a reforma tributária traz com ela a simplificação dos tributos como um de seus pilares mais centrais, algo que o setor produtivo pedia já faz bastante tempo. A próxima etapa são as leis complementares para poder definir as alíquotas. Qual vai ser a alíquota do IVA e quais serão as definições últimas no âmbito das leis complementares? Precisamos saber. O que fica, porém, é a percepção de que o Brasil saiu de um atraso de 30 anos e simplificou um pouco a sua estrutura tributária. Isso gera uma percepção positiva. No entanto, olhando para o dia a dia das empresas, nada muda por enquanto. A reforma não irá alterar em nada no resultado contábil e na arrecadação. Afiinal, ela só deve começar a operar em 2025 e terá um período de transição até 2033.

Felipe Sichel – A reforma tributária, um marco na história do país, ainda será fruto de intenso debate no Congresso dada a necessidade de aprovação das Leis Complementares que discutirão alguns detalhes relevantes da reforma. Somado ao longo período de transição para o novo modelo e a possibilidade de judicialização, há pouco impacto imediato da reforma na economia, a despeito do ganho de produto potencial esperado uma vez que a reforma seja efetivamente implementada.

Novo Varejo – Quais setores chegam a 2024 com ‘mais embalo’ para crescer? Quais são aqueles que tendem a sofrer mais diante da conjuntura que se apresenta?

Alessandra Ribeiro – A gente avalia que os setores que são mais sensíveis a juros é que devem ter uma performance melhor, especialmente a partir da segunda parte do ano, quando devem captar mais essa queda de juros promovida aqui pelo Banco Central. Quando a gente fala de consumo, são os segmentos que dependem mais de crédito, como móveis, eletrodomésticos, material de construção civil e também veículos e motos. Agora, em relação àqueles que podem ter uma performance mais fraca, especialmente quando a gente compara com 2023, a gente espera o agro com uma performance mais fraca. Primeiro porque cresceu muito em 2023 e, segundo, porque a gente deve ter alguns efeitos do ‘El Niño’. Na parte de serviços, a gente também espera uma desaceleração; não que vá cair, mas deve crescer menos do que em 2023 e essa desaceleração tem a ver um pouco com esgotamento de recuperação pós-pandemia e com um agro que cresce menos, diminuindo seu impacto em vários segmentos de serviços, o transporte e armazenagem. Além disso, devemos ter aqui um efeito defasado do mercado de trabalho, já que a gente vê o mercado de trabalho menos pujante em 2024, principalmente nessa primeira parte de 2024, captando o esfriamento da atividade econômica observado desde o terceiro trimestre de 2023.

Carla Beni – Acredito que o setor de varejo tem uma conjuntura bastante favorável por conta do aumento de poder de compra e da diminuição do endividamento da população.

Raphael Citron – Apesar da tendência de queda, o patamar atual de juros segue bastante elevado, o que reflete negativamente no consumo associado ao crédito, instrumento amplamente utilizado no varejo de linha branca/marrom e de moda. Além disso, no contexto da MP 1185, estima-se que o varejo seja o setor mais impactado pela alteração no entendimento da tributação dos créditos associados ao ICMS. Neste contexto, acreditamos que os segmentos mais voltados para alta renda e menos expostos a benefícios tributários deveriam apresentar patamares de rentabilidade superiores aos pares nos subsegmentos citados.

Novo Varejo – Temos tido fricções moderadas no ambiente político ao longo dos últimos meses. Tanto no que diz respeito aos choques entre equipe econômica do Governo e os líderes do Banco Central quanto da própria cúpula do Governo com o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Essas fricções podem gerar quadros de incerteza que desestabilizem o cenário atual?

Alessandra Ribeiro – De fato a gente tem observado essas movimentações, especialmente de algumas alas do governo em relação ao Ministro da Fazenda e mesmo do Legislativo em relação ao Ministro da Fazenda, especialmente à luz da MP da reoneração. Então, de fato, há uns ele – mentos de fricção. E a gente avalia que o ambiente de 2024 é mais desafiador mesmo politicamente e para o Haddad. Isso porque, quando a gente olha para a agenda do governo, vemos que é uma agenda muito focada em aumentar a arrecadação. Ou seja, passa, sim, por revisão de imposto, redução de benefícios fiscais, e essa é uma agenda com a qual o Congresso não está alinhado. Então, aqui a gente tem um potencial de fricção que deve se reverter numa taxa de sucesso mais baixa do Governo em 2024 em relação ao que ele conseguiu aprovar em 23. Isso significa que o Governo vai ter dificuldade para cumprir a meta de resultado primário de zero e, por outro lado, também a gente vê uma pressão por gasto dadas as eleições municipais e essa pressão vem tanto de alas do Governo quanto do próprio Congresso. Então há uma pressão pra mudança de meta, né? Para que não tenha contingenciamento. Em resumo, existe sim essa fonte de ruído e acho que isso gera um potencial de incerteza um pouco mais crescente, especialmente pelo fato dos impactos dessa história toda desaguarem na questão fiscal.

Carla Beni – Essa fricção entre o Banco Central e o Ministro da Fazenda já foi superada porque o Bacen finalmente entrou numa trajetória de queda da taxa de juros. Agora, no que diz respeito à relação do Haddad com a ala mais radical do PT, acredito que o primeiro está fazendo um trabalho de interlocução muito bom e a tendência é ele continuar dentro deste tom, até porque ele é um potencial presidenciável.

Felipe Sichel – Apesar dos sempre presentes ruídos no ambiente político, o Governo conseguiu aprovar uma série de medidas relevantes na perspectiva do novo marco fiscal. Ao mesmo tempo, apesar dos atritos, a autonomia do Bacen foi mantida conforme aprovada durante a legislatura anterior. A relação do Executivo com o Legislativo seguirá como ponto focal no primeiro semestre. No entanto, as eleições municipais serão o centro das atenções do segundo semestre, o que por si reduzirá a chance de maiores atritos entre os dois ramos de governo neste momento.

Novo Varejo – De maneira geral, você está otimista com o desempenho da economia do país em 2024? E os empreendedores dos setores de varejo e serviços, têm razões para estarem otimistas, cautelosos ou pessimistas?

Alessandra Ribeiro – Eu diria que eu estou num otimista-cauteloso. Não é plenamente otimista porque tem alguns elementos de cautela. É um otimista-cauteloso porque alguns setores perdem tração, mas outros, como eu mencionei, vão ter uma performance melhor, captando mais a queda de juros. Especialmente para serviços, como eu mencionei, a gente vê uma desaceleração que não chega a ser pessimista, mas é um cenário de crescimento mais fraco que no ano de 2023. E, para o varejo, depende da linha que a gente está falando, não é? Então, para as linhas que dependem de crédito, como a gente conversou, a gente vê um cenário melhor. Agora, para segmentos mais ligados a bens essenciais, principalmente alimentação, falando aqui de supermercados, a gente também já vê um crescimento mais moderado em 2024 do que 2023, porque, inclusive, tem no cenário o aumento de preços de alimentos.

Carla Beni – Eu vejo o cenário como positivo por todos os fatores que discutimos ao longo da entrevista, com destaque para o início do ciclo de queda de juros e os esforços para aumentar o poder de compra e o acesso ao crédito para a população. Quando falamos de varejo, destaco que esses são motores importantes para o consumo.

Felipe Sichel e Raphael Citron – Nossa projeção indica que o PIB terá desempenho abaixo do observado em 2023, mas a abertura tende a mostrar alguma resiliência no consumo das famílias. Os riscos mais evidentes em torno do nosso cenário são uma reversão da expectativa de pouso-suave na economia dos EUA ou, então, uma deterioração significativa das perspectivas fiscais domésticas. De toda forma, com a melhora no cenário macroeconômico (queda na taxa de juros e desaceleração da inflação), houve uma retomada no índice de confiança das famílias ao longo do ano de 2023. Entretanto, para os varejistas esta melhoria de sentimento ainda não é muito clara, o que ainda inspira cautela no curto prazo.

Alessandra Ribeiro
Carla Beni
Felipe Sichel
Raphael Citron

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