O ambiente macroeconômico brasileiro tem trazido desafios importantes para o varejo neste 2025. Com a taxa Selic na casa dos 14,75% e sem sinalizações concretas de alívio no curto prazo, o custo do crédito segue em patamar restritivo, afetando diretamente o consumo e a capacidade de investimento das empresas. Ao mesmo tempo, a ausência de reformas estruturais e o avanço de medidas arrecadatórias pontuais aumentam a incerteza sobre o rumo da política econômica.
Para a economista Lígia Lopes, CEO da Teros, consultoria especializada em dados, o país vive um momento de ‘dura liturgia econômica’, no qual o empresariado precisa redobrar a atenção à gestão. “O governo permanece omisso quanto a reformas estruturais, reforçando a pressão sobre empresas e famílias. Enquanto isso, o consumo é sustentado por crédito caro e erosão da poupança, uma base extremamente frágil”, aponta.
Segundo a convidada da entrevista especial desta edição, o cenário exige um posicionamento mais defensivo do varejo, a despeito do crescimento de 1,8% nas vendas do setor ao longo do primeiro trimestre. “Recomendo ajustes agressivos nos custos, proteção de capital de giro e operações com alta adaptabilidade. A oportunidade, nesse contexto, é sinônimo de prudência estratégica”, afirma.
Leia a seguir a íntegra da conversa de nossa reportagem com a economista e entenda os riscos, as oportunidades e os caminhos possíveis para atravessar o segundo semestre com segurança operacional e financeira.
Novo Varejo – O ano de 2024 começou com uma alta do ciclo da taxa de juros, taxa essa que o Banco Central ainda não sinalizou reduzir. Como esse cenário impactou o ambiente econômico nacional ao longo do primeiro semestre? Quais são as perspectivas para a segunda metade do ano?
Lígia Lopes – O Copom elevou a Selic para inéditos 14,75% em maio, num ciclo agressivo de aperto monetário. Esse endurecimento freou investimentos, corroeu lançamentos e penalizou o agronegócio, sem qualquer contrapartida fiscal para aliviar o custo do capital. O governo permanece omisso quanto a reformas estruturais, reforçando a pressão sobre empresas e famílias. A taxa de juros elevada tem efeitos profundos sobre a economia. Em primeiro lugar, ela restringe significativamente a oferta de crédito em condições viáveis, o que compromete o consumo e prejudica especialmente o varejo. Linhas como o crediário se tornam menos acessíveis, a inadimplência tende a crescer e há uma série de impactos colaterais que comprometem o dinamismo econômico. Além disso, não há, no curto prazo, qualquer sinalização concreta de redução dessa taxa: o cenário mais otimista aponta para um recuo tímido apenas em 2027. Ou seja, a expectativa de queda dos juros permanece distante e depende de mudanças estruturais na condução da política econômica.
Novo Varejo – Apesar do crédito mais caro, o varejo e o consumo mostraram resiliência com um crescimento de 1.8% no primeiro trimestre de 2025 na comparação com o último trimestre do ano passado. A que você atribuiu esse quadro? Podemos esperar sua continuidade ao longo do segundo semestre?
Lígia Lopes – O varejo registrou um crescimento de aproximadamente 1,8% no primeiro trimestre, mesmo com a taxa Selic mantida em 14,75%. Esse desempenho, no entanto, foi sustentado por crédito caro, ou seja, com base em maior endividamento das famílias e consumo financiado pela erosão da poupança. Trata-se, portanto, de um impulso contra cíclico, sustentado mais por uma percepção momentânea de confiança do que por fundamentos econômicos sólidos. Sem uma sinalização concreta de alívio nos juros, é provável que essa recuperação pontual perca fôlego nos próximos meses, abrindo espaço para um desaquecimento no segundo semestre. Por outro lado, há um fator que ajuda a mitigar, ainda que parcialmente, esse cenário adverso: a inflação encontra-se relativamente controlada. Sempre que conseguimos manter a inflação em níveis baixos, mesmo com o crédito em patamar elevado, há um certo alívio na percepção de risco por parte do consumidor. Essa confiança, ainda que frágil, é o que tem sustentado parte das vendas no varejo. É importante lembrar também que esse crescimento parte de uma base comparativa baixa, o que, em termos estatísticos, amplia a sensação de avanço, mesmo que o ritmo real ainda seja tímido. Em resumo, esperava-se uma recuperação mais consistente, mas a estagnação da economia limita o potencial de expansão do consumo.
Novo Varejo – A situação fiscal do país tem protagonizado a pauta econômica nas últimas semanas, sobretudo com as tentativas do Governo para aumentar a arrecadação sem sinalizar um corte significativo de gastos. Como essa agenda deve impactar o ambiente econômico a partir de agora?
Lígia Lopes – O governo aposta em pacotes improvisados de arrecadação, como aumento de IOF, taxação sobre JCP e investimentos, mas tem dificuldade de cortar gastos públicos. Sem disciplina orçamentária e rigor nos gastos, o modelo será ineficiente, prolongando déficit e elevando risco-país. No segundo semestre, espera-se que essa lógica continue, com aumento de impostos, menor atratividade de investimentos e instabilidade persistente.
Novo Varejo – O dólar, que começou o ano na casa dos R$ 6,00, teve uma queda importante nos últimos meses e hoje se estabiliza na casa dos R$ 5,50. A que você credita esse movimento? Como ele impacta o varejo e o consumo?
Lígia Lopes – O real se fortaleceu de R$6,00 para cerca de R$5,50, sustentado por fluxo de capitais, expectativas desfocadas e tensões comerciais globais. Essa valorização oferece respiro aos custos de importados, mas é temporária. Dólar abaixo de R$5 é improvável sem reformas fiscais urgentes, ou seja, o varejo e a indústria terão apenas uma janela breve para reposicionar preços e reduzir custos antes de novo choque cambial.
Novo Varejo – Desde que retornou à presidência dos EUA, o presidente Donald Trump tem criado uma grande instabilidade macroeconômica com suas idas e vindas na política de tarifas comerciais. O que isso representa para nossa economia? O quanto estamos suscetíveis a sofrer consequências reais no segundo semestre?
Lígia Lopes – As oscilações tarifárias de Trump criam ruídos macroeconômicos. O Brasil pode ganhar com redirecionamento de exportações (exemplo: agronegócio); no entanto, estamos vulneráveis: novas rodadas tarifárias podem provocar turbulências cambiais e interromper cadeias de suprimentos. A base exportadora precisa se preparar para essa volatilidade no segundo semestre.
Novo Varejo – Atualmente, o Brasil tem uma das menores taxas de desemprego de sua história recente. Isso sinaliza um cenário promissor para o consumo no país ao longo dos próximos meses? Você acredita que essa taxa de desemprego também sinaliza disposição do empresariado para investir?
Lígia Lopes – Taxa de desemprego perto de 6% ou 7% sinaliza mercado de trabalho aquecido e sustentação da renda real, de fato impulsionando o consumo. Porém, esse cenário se baseia em crédito barato e políticas previdenciárias sem ajuste. A longo prazo, isso fragiliza a sustentabilidade fiscal e pode elevar custos trabalhistas, inibindo novos investimentos. Empresários desejam ampliar investimentos, mas permanecem hesitantes até que sejam apresentadas sinalizações reais de ajuste e reformas.
Novo Varejo – Caso um varejista te pedisse um guidance sobre ‘como se portar’ daqui até o fim do ano. Quais pontos você reforçaria?
Lígia Lopes – Se fosse conselheira de um varejista até o fim do ano, eu recomendaria:
- Ajustes agressivos nos custos — renegocie insumos, reduza overheads e torne a operação mais enxuta.
- Reforço de capital de giro — estoque sazonal requer recursos, mas proteja-se de taxas elevadas.
- Hedge cambial estratégico — antecipe oscilações frente a um dólar volátil e sem base estrutural.
- Monitoramento de arcabouço fiscal — aumentos de impostos e novas alíquotas podem ser anunciados a qualquer momento.
- Diversificação de fornecedores — evite exposição excessiva às cadeias globais sujeitas a tarifas e rupturas.
- Flexibilidade comercial — promova inovação nos canais digitais para mitigar variações na demanda.
- Atenção a reformas e eleições — o ambiente político-instáveis pode impulsionar ou paralisar ações de governo. Esteja pronto para cenários alternativos.
Vivemos um momento de dura liturgia econômica: juros recordes, câmbio volátil e um governo que aposta em arrecadação improvisada e mantém os gastos inchados. O varejo precisa se posicionar de forma defensiva reduzindo custos, fortalecendo caixa, protegendo-se da instabilidade e operando com máxima flexibilidade. Enquanto a agenda econômica não se endireita, a oportunidade é sinônimo de prudência estratégica.