Lucas Torres [email protected]
Festas de aniversário e casamento realizadas a partir de aplicativos como o Zoom. Fins de semana inteiros com uma programação de lazer ancorada na combinação de canais de streaming e lives de artistas. Jantares em família tendo a cozinha caseira e os pratos adquiridos via delivery como protagonistas. A pandemia forçou cidadãos de todo o mundo a se adaptarem à regra do distanciamento social e retirou das ruas milhões de pessoas. O chamado ‘novo normal’, no entanto, vai se tornando coisa do passado nos países que já alcançaram um índice de vacinação significativo em sua população, bem como naqueles locais cujas medidas de prevenção não farmacológicas conseguiram manter a curva de contágio do vírus sob controle. Na Europa, um dos principais exemplos dessa realidade aparece no Reino Unido. Com um salto robusto de 2,3% de seu Produto Interno Bruto entre os meses de março e abril de 2021, os britânicos se apoiaram em um crescimento de 24,9% do setor de serviços e de 80,1% no segmento restrito de hotéis e restaurantes – ambos na comparação anual. A mesma avidez para o retorno à vida nas ruas tem sido observada no continente americano.
No início deste mês de junho, o Instituto de Gestão de Fornecimento dos Estados Unidos registrou um salto para os 64 pontos do setor de serviços – a leitura mais alta da série histórica iniciada há mais de duas décadas. De acordo com o ex-sócio diretor do Grupo Gouvêa Ecosystem e hoje consultor independente, Marcos Hirai, o cenário observado nesses países reflete um movimento chamado ‘síndrome do tempo perdido’, que deve se repetir também no Brasil assim que superarmos os momentos mais agudos da covid-19. “Vamos ter, também aqui no Brasil, aquela síndrome de recuperar o tempo perdido. Ou seja, um movimento em que aquelas pessoas que não foram a restaurantes e barzinhos durante a pandemia vão perder o medo e retomar essas atividades com muita avidez. Talvez com uma frequência maior do que faziam no pré-pandemia”, projeta Hirai, antes de listar alguns dos segmentos que, no cenário internacional, já estão vivenciando esta realidade: “Já observamos lá fora isso acontecendo com segmentos como viagem, eventos, teatro e parque de diversão. As pessoas querem voltar a encontrar os amigos, refrescar a cabeça”.
CEO da Spot Metrics, plataforma de Inteligência de dados e CRM para o varejo físico, Raphael Carvalho aponta que, mais do que projetar o que virá a acontecer no Brasil quando amenizada a pandemia, este cenário de ‘ansiedade pelo convívio’ já vem se refletindo em solo canarinho, a despeito dos perigos provocados pela alta circulação do vírus. Segundo ele, a demanda represada de experiências pode ser sensivelmente percebida a partir da mensuração do consumo de determinados itens do setor de varejo e serviços. “Mesmo o brasileiro tendo perdido renda neste período, é possível perceber que segmentos como os restaurantes de shoppings conquistaram mais novos clientes do que o fizeram antes, no período pré-pandemia”, ilustra Carvalho.
De acordo com o especialista, esse aumento na disposição da população em viver experiências fora de casa não tem passado despercebido dos empreendedores do varejo. “Empresas como shoppings centers, por exemplo, estão apostando em premiações e promoções que oferecem ao cliente viagens de curta duração, em locais próximos à residência do cliente. Afinal, o cenário atual não permite que ele vá para fora do Brasil ou fique quatro horas em um avião. Mas os shoppings estão apostando na disposição da população para viver uma experiência em um deslocamento mais curto”, coloca o CEO da Spot Metrics. A combinação do aumento da disposição da população em explorar o setor de serviços e até o turismo, somado ao perfil das viagens priorizadas pela maior parte da população enquanto os riscos da pandemia estiverem presentes, oferece uma perspectiva para lá de positiva para o aftermarket automotivo. Isto porque, durante a crise sanitária, especialistas têm enfatizado, claro, a necessidade de evitar deslocamentos.
Mas, ao mesmo tempo, ressaltado que, para aqueles que já querem espairecer em viagens curtas para locais sem aglomeração, que o façam utilizando o automóvel individual. Exemplo disso é o fato de que, já no fim do ano passado, o presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA), Paulo Miguel Júnior, destacava o aumento pouco usual da demanda pela locação de carros na comparação com anos anteriores. “Temos uma demanda mais elevada do que nos anos anteriores, porque a malha aérea ainda não está recuperada, o preço das passagens está alto e algumas pessoas estão optando por viajar de carro para evitar compartilhamento e aglomeração”, relatou Miguel Júnior na ocasião.
Em 2021, este cenário destacado pela liderança da ABLA pode ser constatado nos números registrados em algumas das principais rodovias brasileiras durante os feriados. No último deles, o de Corpus Christi, o Sistema Anchieta-Imigrantes, que liga a capital paulista ao litoral sul do estado, registrou um fluxo de veículos 38,71% maior do que o visto no mesmo feriado em 2020. Ainda mais impressionante, no entanto, foi o fato de que o número registrado de 108.425 mil veículos entre a quarta e a sexta de feriado ser apenas 15% menor do que o anotado em 2019, período em que a covid-19 ainda nem passava pela cabeça dos brasileiros. Movimento semelhante e ainda mais robusto foi observado nas mais variadas localidades do país, com destaque para a rodovia baiana BA099, por onde passaram mais de 140 mil veículos durante o feriado