Lucas Torres [email protected]
O tema da inovação tecnológica no ambiente empresarial é constantemente conectado a uma noção de ganho de produtividade nas empresas. Ou seja, capacitar as organizações a produzir mais e melhor em menos tempo. Dados levantados pela consultoria italiana TEMSI, no entanto, chamam a atenção para o fato de que a simples implementação de softwares e outras ferramentas digitais não garantem uma evolução significativa na eficiência produtiva. Exemplo disso é o fato de que, entre 1981 e 2018, período em que diversas tecnologias disruptivas, como a internet, chegaram ao mercado, a produtividade no Brasil avançou apenas 0,4%. De acordo com o CEO da consultoria no Brasil, Giuseppe Lotto, isso ocorre porque o ganho de produtividade acontece de maneira transversal e envolve necessariamente questões como a organização dos processos e a necessidade de estabelecer uma cultura a ser seguida pelos funcionários. Além desses fatores, ligados a questões internas da empresa, a aceleração da produtividade também depende de fatores pertinentes ao ambiente de negócios, como a legislação trabalhista e a infraestrutura de um país. Para compreender mais sobre o tema e identificar os principais gargalos das empresas brasileiras neste quesito, nossa reportagem conversou com exclusividade com o CEO da TEMSI.
Novo Varejo Automotivo – Quais são os índices de crescimento da produtividade no Brasil em relação ao crescimento da renda da população?
Giuseppe Lotto – Nos últimos 40 anos, a renda cresceu perto de 1% e a produtividade somente cerca de 0,4%. Além da consideração que são valores baixos em termos absolutos, a diferença dos dois KPIs (Key Performance Indicator) mostra um crescimento da renda baseada no “débito”, ou seja, não foi uma consequência direta do crescimento da produtividade.
NVA – Quais são os parâmetros para medir a produtividade de um país?
GL – A produtividade é um parâmetro “físico” e indica o valor agregado gerado para um processo de trabalho. Esta definição não se perde falando em termos macroeconômicos. De forma geral, podemos dizer que a produtividade do país é a relação entre o valor da produção gerada pela economia nacional e as horas de trabalho (trabalho homem e/ou trabalho máquinas) que foram necessárias para conseguir este valor. A produtividade do trabalhador brasileiro cresceu apenas 17% nos últimos 20 anos, mesmo diante das diversas inovações tecnológicas que tivemos e que impulsionaram um salto de 34% nos países de alta renda. As inovações tecnológicas não são a única via para determinar um incremento da produtividade. O país fica muito focado em receber a contribuição que chega do mundo digital, mas a tecnologia, para representar uma contribuição certa, deve ser baseada em um nível suficiente de organização dos processos e de cultura dos funcionários.
NVA – De maneira geral, em comparação aos países desenvolvidos, em que estágio se encontra o Brasil?
GL – O país se encontra em uma posição que muitas vezes não consegue a suficiência. Claramente, falando em termos estatísticos e com foco nas empresas de médio e pequeno portes, não podemos falar de pesquisa da excelência operacional no momento, pois devemos ainda medir a produtividade dos processos e conseguir posições básicas nesta escala de crescimento.
NVA – Quais são os grandes gargalos da produtividade no país?
GL – Falando em termos de “micro produtividade”, sem dúvida o gargalo principal está na organização dos processos que não permite uma continuidade de trabalho do funcionário em todas as horas do seu turno. Existem critérios de construção das equipes que deixam espaços de ociosidade muito altos em comparação aos países do mundo ocidental. E, se tem ociosidade, tem produtividade zero. Em termos de “macro produtividade”, certamente que a lei trabalhista e as infraestruturas são pontos que contribuem na falta da produtividade.
NVA – Como as empresas brasileiras trabalham hoje para acompanhar e aumentar os índices internos de produtividade?
GL – Existe uma única via na pesquisa da produtividade e as empresas brasileiras não podem representar uma exceção. É preciso estudar os processos, reduzir as dispersões, treinar os funcionários, entender os padrões que podem ser conseguidos nas estruturas disponíveis e aplicar a lógica da melhoria contínua e, assim, conseguir um bom nível de eficiência. É necessário acreditar neste processo e dedicar recursos no dia a dia.
NVA – De que forma os gargalos podem ser reduzidos considerando que o Brasil é um país em que a competitividade sofre com diferentes obstáculos, tanto de legislação como até no que se refere à infraestrutura do país?
GL – O desafio não é chegar na melhor produtividade em termos absolutos, o desafio é crescer dentro as suas próprias limitações (internas e externas) e chegar à melhor produtividade possível. E os nossos projetos estão demonstrando que há espaços grandes, mesmo considerando essas restrições.
NVA – Qual a relação entre o crescimento da renda per capta e a produtividade dos trabalhadores?
GL – Um funcionário deve garantir valor agregado no seu próprio trabalho. Pode existir uma cadeia do valor muito longa e que este valor não é percebido, mas, por exemplo, se pensamos no setor primário, qualquer agricultor sabe que se ele não trabalha da forma correta, com o método correto, com a tecnologia correta e dedicando o tempo correto, nunca vai ter boa colheita de suas plantações. Deve-se pensar da mesma forma também se a cadeia perdeu esta visibilidade direta da renda conexa com o trabalho, de outro modo, gera-se renda sobre um débito.
NVA – Os gestores das lojas brasileiras estão cientes da necessidade de medir a produtividade de seus funcionários e conhecem as ferramentas necessárias para isso?
GL – Em muitas situações eles não estão cientes. Se é perdida a produtividade do processo de abastecimento da gôndola, em geral não se tem essa noção. É sabido que, por exemplo, no processo do produto seco, o valor médio no Brasil é de 20 caixas abastecidas por hora/homem. Seguindo a lei trabalhista e as regras de exposição esperadas pelo cliente brasileiro, é possível chegar em 35 caixas por hora homem. Na Itália, e de forma geral no mundo ocidental, essa produtividade é de 55 caixas por hora homem, ou seja, o que é feito por um funcionário na Itália, requer três funcionários no Brasil. Desse modo, percebe-se que é evidente o espaço de melhoria possível de alcançar em um processo simples.
NVA – Qual é o impacto da legislação trabalhista brasileira, bastante antiga, nos baixos índices de produtividade no Brasil?
GL – Sem dúvida não é positivo. Houve até uma melhora com algumas mudanças que foram introduzidas nas últimas reformas de 2017 e de 2019, mas acredito que haja espaço importante também com as restrições atuais.
NVA – Durante a pandemia, cresceu muito a atividade em home office para diversas atividades profissionais. Qual foi o impacto desta transformação nos índices de produtividade nas empresas?
GL – Tem indicadores que mostram que o trabalho em home office pode ser mais produtivo do que na empresa. Porém, devemos considerar que há muitas atividades em que é impossível falar de home office, como fábricas, lojas, centros de distribuição, transporte e, nesses casos, as regras para ter alta produtividade não mudam dependendo do lugar onde a pessoa desenvolve seu processo.
NVA – De que forma quebrar paradigmas e criar uma cultura de produtividade dentro das empresas?
GL – As empresas devem investir neste assunto, pois o retorno tem resultados impressionantes em termos de pay back e de qualidade de vida dos funcionários. Quero também ressaltar que um trabalho sem produtividade provoca, muitas vezes, a atividade sem envolvimento e sem participação do funcionário na vida da empresa e nos resultados. Nesses casos, talvez seja indicado pensar em uma forma de retornar ao trabalhador parte do valor gerado do aumento da produtividade.
NVA – Como a automação e ferramentas como inteligência artificial podem aumentar a produtividade sem que isso resulte em redução considerável dos postos de trabalho?
GL – Costumo pensar positivo e estou convencido de que o cenário do trabalho até mudará no futuro, mas o homem será sempre o protagonista. Ainda assim, é fundamental crescer na cultura, no conhecimento dessas novas ferramentas, e a pesquisa da produtividade ajuda as empresas a irem nesta direção.