Nas últimas semanas, os contribuintes, em especial os varejistas, obtiveram uma vitória importante perante a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento dos Recursos Especiais n.º 2.034.975/MG 2.035.550/MG e 2.034.977/MG, sob a sistemática de recursos repetitivos (Tema nº 1.191).“O STJ aceitou a tese de que, na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria a preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do ICMS, é inaplicável a condição prevista no artigo 166 do Código Tributário Nacional”, explica Amanda Nadal Gazzaniga, sócia do ButtiniMoraes Advogados.
Segundo a tributarista, em alguns Estados, como Minas Gerais, os contribuintes que pleiteavam a restituição de ICMS-ST devido à diferença entre o valor da operação final e o valor presumido enfrentavam resistência das Secretarias de Fazenda, que exigiam a comprovação do acolhimento do encargo financeiro.
A discussão sobre a inaplicabilidade do art. 166 do CTN passou a ter forte relevância depois do julgamento pelo STF, do RE nº 593.849/MG, sob a sistemática de repercussão geral (Tema nº 201), no qual se estabeleceu que “é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”. “Acontece que, após o reconhecimento do direito à restituição de ICMS-ST na referida hipótese, alguns Estados regulamentaram a matéria de forma a restringir a devolução do montante aos contribuintes. Assim, com o intuito de evitar perdas econômicas, essas mesmas unidades da federação passaram a exigir as comprovações previstas no artigo 166 do CTN”, detalha Amanda.
A advogada dá como exemplo o Estado de Minas Gerais, que, no § 1º do artigo 46 do Anexo VII do RICMS/MG (Decreto nº 48.589/2023), determina que: “somente fará jus à restituição a que se refere o caput, o contribuinte que não tiver realizado o repasse do valor do imposto pleiteado no preço da mercadoria ou, no caso de tê-lo feito, estar expressamente autorizado a recebê-lo por quem o suportou, caso em que os documentos comprobatórios deverão ser mantidos à disposição do Fisco.”
Em linhas gerais, o dispositivo do CTN tem o objetivo de evitar que o contribuinte de direito solicite a restituição de valores de tributo indireto, cujo encargo financeiro tenha sido arcado por outra pessoa (denominada “contribuinte de fato”), sendo permitida uma exceção apenas se esse cidadão autorizar expressamente o contribuinte de direito a receber esses valores.
A justificativa para restringir o direito à restituição é que o contribuinte de direito, ao vender mercadorias com o tributo incluído no preço, já havia sido compensado ou reembolsado. Dessa forma, se o pagamento do tributo fosse considerado indevido, devolvê-lo ao contribuinte de direito resultaria em enriquecimento sem causa, pois ele estaria sendo reembolsado duas vezes. “Ocorre que, para aplicação do artigo 166 do CTN, a análise da repercussão econômica deve ser feita em cada caso específico, sendo necessário distinguir entre situações que, apesar de parecerem semelhantes, possam levar a resultados jurídicos distintos”, destaca a advogada do ButtiniMoraes.
Como é o caso da restituição em relação ao regime de substituição tributária para frente, em que o imposto é recolhido antecipadamente, antes da efetiva ocorrência do fato gerador, isto é, antes da venda ao consumidor final. De forma que o pagamento do imposto se baseia em uma estimativa que pode não se confirmar. Assim, se o valor presumido for maior que o realizado, isso justifica a devolução do montante pago em excesso, sem a necessidade de comprovar o repasse ao consumidor final.
Observa-se, portanto, que o valor a ser restituído não é repassado ao consumidor final em nenhum momento, uma vez que o encargo é suportado exclusivamente pelo substituído tributário, é a este que cabe, de fato, o direito à restituição de valores. Inclusive, a restituição do ICMS-ST pago em excesso objetiva impedir que o Estado retenha indevidamente valores que não correspondem ao montante real da operação. A aplicação do artigo 166 do CTN nesses casos dificultaria a devolução legítima de tributos recolhidos a maior, beneficiando injustamente o fisco e não o contribuinte, ao gerar enriquecimento sem causa para o Estado.
Assim, não há dúvidas acerca da inaplicabilidade do art. 166 do CTN na restituição pelo substituído tributário (varejo) do ICMS-ST correspondente à diferença entre a base de cálculo presumida e a efetivamente praticada nas operações de venda ao consumidor final.
A tese recentemente fixada pela Primeira Seção do STJ (Tema nº 1.191), confirmou a jurisprudência do próprio tribunal, que já vinha entendendo que: “na sistemática da substituição tributária para frente, quando da aquisição da mercadoria, o contribuinte substituído antecipadamente recolhe o tributo de acordo com a base de cálculo estimada, de modo que, no caso específico de revenda por menor valor, ele não tem como recuperar o tributo que já pagou, decorrendo o desconto no preço final do produto da própria margem de lucro do comerciante, sendo inaplicável, na espécie, a condição ao pleito repetitório de que trata o art. 166 do CTN” (AgRg no REsp 630.966/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 22/05/2018). No mesmo sentido: AgInt no REsp n. 1.956.315/MG, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 17/2/2022.
“Portanto, o STJ encerrou de modo acertado o assunto ao reconhecer que não é necessária a observância do que dispõe o artigo 166 do CTN nas situações em que se pleiteia a restituição de valores pagos a maior a título de ICMS no regime de substituição tributária para frente, em especial quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior a presumida, já que, conforme demonstrado, o encargo é assumido apenas pelo substituído tributário”, conclui Amanda.