Taxa Selic elevada gera conflito e está no centro da crise do varejo -

Taxa Selic elevada gera conflito e está no centro da crise do varejo

De acordo com especialista, questão é transversal e atinge o setor ao limitar tanto empresas quanto consumidores

Lucas Torres [email protected]

Nas últimas semanas, a definição da taxa básica de juros (Selic) tem estado no centro da agenda brasileira. O tema coloca frente a frente duas visões antagônicas de condução da política econômica e, ao mesmo tempo, levanta uma questão importante sobre a estrutura estatal: até onde deve ir o poder do Governo Federal no controle da economia? Com autonomia garantida por Lei Complementar desde o ano de 2021, o Banco Central (BC) tem adotado uma postura conservadora ao utilizar os juros como ferramenta de contenção da inflação. Tal postura tem sido duramente criticada pela equipe do presidente Lula, que vê no alto patamar dos juros o efeito contrário, o de desestimular os pilares de investimento e consumo. A diferença de pontos de vista, evidente desde a eleição do petista, em outubro de 2022, teve seu ponto alto ao longo do mês de março quando, às vésperas da última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), o Governo Federal aumentou a pressão em prol da redução da Selic e foi ‘ignorado’ pelo BC, que optou por mantê-la no patamar de 13,75% ao ano.

Mais do que representar uma queda de braços pelo controle da condução de um dos principais mecanismos da economia porém, o tema passou a mobilizar empresários de setores como o varejo por ser visto como decisivo para os resultados das empresas no curto e médio prazo.

O professor de Gestão Financeira da Fundação Vanzolini, Michael Roubicek, mostra alinhamento com a visão da equipe do Governo Federal, ao apontar que tamanha importância do tema se dá pelo impacto transversal da alta dos juros na atividade empresarial.

“Uma taxa de juros excessivamente elevada reduz os investimentos, pois novos projetos das empresas teriam que ter uma taxa de retorno muito alta para superar os ganhos possíveis com renda fixa. Os empresários, então, preferem deixar recursos aplicados em renda fixa do que investir em projetos que têm risco maior e o retorno não seria suficiente para compensar este risco”, afirma o professor, antes de complementar: “Uma taxa Selic menor também traz redução dos juros ao consumidor que faz suas compras a crédito, o que favorece especialmente o varejo. Assim, taxa de juros elevada impacta diretamente o varejo, pois quanto maior o juro, maior o valor da prestação mensal que o consumidor vai pagar, tornando a compra menos atraente”.

Endividamento e inadimplência

Segundo Roubicek, os impactos da Selic no mercado de consumo não param por aí e são agravados por outra característica importante do atual momento brasileiro: o alto nível de endividamento e inadimplência das famílias. Baseado nos dados divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que na última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) apontou um percentual de endividamento na casa dos 78%, o especialista explicou que a atual renda disponível para compras no varejo tem sido cada vez menor, já que muitos dos consumidores estão impossibilitados (ou desencorajados) a utilizarem mecanismos como cartão de crédito, crédito consignado e cheque especial. O docente da Fundação Vanzolini pontuou ainda que a relação juros-inadimplência também impacta diretamente as modalidades de consumo que tradicionalmente estão ligadas ao financiamento, tais como produtos como casas e automóveis. “Ou seja, uma taxa de juros menor favoreceria o crescimento da economia de uma forma geral”, concluiu Roubicek.

Empresários temem cenário de quebradeira

A crise em gigantes do varejo brasileiro tem sido amplamente noticiada e, depois dos conhecidos casos de Americanas, Livraria Cultura e Marisa, ganhou mais uma integrante: a Amaro, especialista no segmento de vestuário.

Na última semana de março, a empresa solicitou uma recuperação extrajudicial alegando dívidas que somam R$ 244,5 milhões, sendo R$ 151,8 milhões em dívidas bancárias e R$ 92,8 milhões com fornecedores. De acordo com a diretoria da companhia, os principais motivos para a condição atingida são a piora do consumo e a baixa liquidez do mercado – ambos relacionados à alta taxa de juros. Para Michael Roubicek, o surgimento de casos como o da Amaro demonstra os efeitos de um problema estrutural que pode, em breve, agravar ainda mais a já aguda crise no setor varejista. “As empresas estão com dificuldade de rolar suas dívidas com os bancos, pois existe alguma insegurança sobre as práticas comerciais dos grandes varejistas junto aos fornecedores. Essa restrição pode afetar fortemente o financiamento ao capital de giro”, indicou o professor, citando o tema da ‘crise de crédito’, abordado com profundidade na capa da última edição do Novo Varejo Automotivo digital.

Além disso, como falamos anteriormente, os varejistas necessitam de crédito disponível para financiar seus clientes consumidores. A pouca disponibilidade de crédito, combinada aos juros básicos muito elevados, induz uma queda na demanda afetando o volume de vendas e a rentabilidade das empresas”, finalizou.


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