Tecnologia a serviço da reposição -

Tecnologia a serviço da reposição

Amaury Oliveira, diretor Executivo da Delphi, divisão de Aftermarket da Delphi, fala sobre inovações tecnológicas e o atual momento do aftermarket independente no Brasil

 A Delphi está diretamente envolvida com o desenvolvimento global das tecnologias que estarão presentes nos automóveis do futuro. Mas a empresa também tem foco no mercado de reposição. O que é particularmente importante no Brasil em razão da conjuntura econômica atual, que fez a produção de veículos voltar 10 anos no tempo. Amaury Oliveira, diretor Executivo da Delphi, divisão de Aftermarket da Delphi, analisa o mercado e revela a estratégia da empresa para continuar crescendo.

 Novo Varejo – A Delphi é protagonista no desenvolvimento global de tecnologias automotivas. Quais as novidades para o mercado brasileiro?

Amaury Oliveira – A Delphi, como empresa global, tem as inovações tecnológicas dos carros do futuro. Cada vez menos você precisa ter um motorista, o carro é assistido eletronicamente e as tecnologias se integram. Mas as inovações variam de acordo com a região. Para o Brasil, a Delphi traz não apenas a tecnologia eletrônica, mas também a tecnologia para reparação de peças. Dentro do conceito “safe, green, connected” estamos trazendo a parte de telemetria e também a remanufatura, que é muito forte e respaldada pela tecnologia da fábrica. Com isso, fornecemos as peças originais novas e também peças originais que nós tratamos como originais remanufaturadas. Isso tem um forte apelo ecológico e tecnológico. Na parte de telemetria, temos dois grandes programas em negociação com duas montadoras e uma empresa de telefonia celular. Então, como uma solução para o mercado de reposição vamos começar a trazer a telemetria para os veículos. Em que isso ajuda o usuário? No monitoramento do carro, na emergência, na redução do custo do seguro, porque quem aceita ter seu modo de dirigir monitorado – isso não é obrigatório – e oferece para as companhias de seguro essa análise, dependendo do modo de dirigir, pode ter um desconto grande no seguro. São algumas soluções que a Delphi está trazendo para o mercado sul-americano.

NV – Os mercados mais maduros enxergam com clareza os benefícios do produto remanufaturado. No Brasil, em razão possivelmente de uma confusão com os recondicionados, ainda há resistências. Como vencê-las e aproveitar o potencial desses produtos?

AO – É preciso mudar a cultura e quebrar esses paradigmas. Ainda há pessoas que oferecem alguma resistência aos remanufaturados achando que eles poderão trazer dor de cabeça a quem instala. Mas quando entra uma empresa de tecnologia e mercado original e faz a remanufatura, aí mudamos o conceito da peça. Ela será uma peça economicamente mais viável para o reparador e o usuário – e quando digo mais viável não significa que o reparador terá menos lucro, ele vai manter ou até, eventualmente, aumentar a margem de lucro com a peça remanufaturada. E terá a certeza de que esta aplicando uma peça que tem exatamente a garantia de um item novo. A diferença de custo, dependendo do valor agregado, pode variar entre 30% e 50%. A meu ver, estamos entrando numa curva ascendente da remanufatura, e sem volta. Várias empresas grandes tentaram comprar o mercado há 10 ou 15 anos, mas as diferenças de custo não eram apropriadas e o mercado também não demonstrava interesse. O momento era outro. Hoje, para a indústria, inovação significa fazer diferente. A Delphi vinha vendendo as peças que fabrica e se estruturando para aumentar o portfólio – esse ano estamos lançando mais de 200 novos part numbers, ano passado foram mais de 250 – mas ainda queríamos fazer diferente. Os nossos concorrentes também completam portfólio. Então entramos com a remanufatura, estamos trabalhando em estratégias diferentes, inclusive políticas comerciais diferenciadas. Nos Estados Unidos, a Delphi tem uma grande fábrica de produtos remanufaturados para o segmento diesel e grande parte é de peças eletrônicas, há ECUs são remanufaturadas lá. Na Europa esse mercado também está crescendo. E agora, no Brasil, nós já estamos com uma planta de produtos remanufaturados fornecendo para uma montadora de caminhões com excelente aceitação.

NV – A evolução tecnológica a partir da introdução da injeção eletrônica no Brasil foi muito impactante para a reposição. Hoje assistimos a outra revolução com a conectividade, que já chegou aos carros populares. A conectividade terá também impacto no mercado de reposição?

AO – Terá muito impacto. Quanto mais eletrônica embarcada, mais qualificado terá que ser o reparador. E quanto mais monitoramento existir no veículo, menos reparação ele vai necessitar. Hoje, se você cuidar bem do carro trocando o óleo, os filtros, fazendo as manutenções adequadas, ele poderá rodar tranquilamente 300 mil quilômetros. Hoje um caminhão roda 1,2 milhão de quilômetros antes de fazer o motor. Isso vai impactar o bolso do mecânico em dois aspectos: a troca da peça e a especialização. E isso vai exigir uma parceria grande com os fabricantes de autopeças.

NV – E para os elos de distribuição e varejo, quais impactos podem ser previstos?

AO – Além de todo o impacto tecnológico, haverá uma série muito grande de novas peças, porque os modelos, os conectores, os encaixes e as peças mudam de forma muito mais rápida. As indústrias estão, com isso, ampliando seus portfólios de produtos de maneira muito mais rápida também e isso impacta diretamente o fluxo de caixa de qualquer distribuidor. A capacitação é que vai vender, porque não bastará um vendedor que sabe apenas o número da peça. Hoje em dia o telemarketing já fala o part number da peça. No futuro, eu acredito em um dialogo mais técnico, portanto o varejo e o distribuidor terão que ter um conhecimento técnico maior também.

NV – Outra tendência importante nos mercados desenvolvidos é a eletrificação da frota. Há veículos híbridos rodando no Brasil, mas o país tem uma particularidade que é o motor flex, que já contribui para a redução das emissões. O carro híbrido e, eventualmente, o totalmente elétrico terão viabilidade no Brasil ou serão apenas nichos?

AO – Essa é uma pergunta difícil de responder. Se dependesse da minha vontade, seriam viáveis. Em 15 ou 20 anos teremos uma frota híbrida global muito maior. Aqui, talvez possa vir a funcionar um hibrido flex, algo assim. Mas a questão da matriz energética é muito complicada, profunda, é difícil comentar sobre esse assunto.

NV – Você citou de passagem o veículo autônomo. Essa tecnologia será realidade no mercado?

AO – Eu adoraria porque teria menos preocupações ao dirigir. Eu acho que isso realmente vai acontecer. Mas qual o prazo? Acredito que no curto prazo apenas em nichos. Mas, em 25 ou 30 anos, teremos um volume grande. Acredito sim na tecnologia para a condução do veículo, ela já existe, está aprovada, muitas empresas estão fazendo. A experiência da Delphi já completou mais de um ano, o carro atravessou os Estados Unidos; o Google também está investindo pesado. Estão sendo feitos os ajustes necessários e acho que é uma tendência sem volta. Os jovens hoje têm pouco interesse por carros. Na nossa juventude, fazíamos qualquer coisa para ter acesso a um carro e dar uma volta no quarteirão. Mas, hoje, creio que a maioria das pessoas que estão ingressando no mercado pensa diferente. Talvez isso seja uma tendência e as montadoras estão pegando carona e tentando reter esse público novo dentro das concessionárias. Há uma estratégia por trás disso, o índice de retenção na concessionária está sendo medido ferrenhamente, porque o jovem não tem mais vontade de ter o veículo e isso leva a crer que, quanto mais autônomo for o carro, melhor para esse público. Eles entendem pouco de carro e não querem entender, têm outras prioridades. O que lhes dá confiança? Uma bandeira bonita. Com isso, eu vejo um bom cenário futuro para as concessionárias e as redes das grandes marcas.

NV – Falando em futuro, outra tendência de comercio é o e-commerce. No Brasil isso já é realidade em diferentes setores e há iniciativas para viabilizar essa proposta de negócios no mercado de reposição. O e-commerce de autopeças é viável?

AO – Falando pela Delphi, no ano passado iniciamos uma estratégia de e-commerce, nós estamos no comércio eletrônico, eu sou muito positivo, não escuto a crise. Começamos investimentos pesados para reformular nossa estratégia de comunicação com o usuário, o mecânico, e o e-commerce faz parte dessa estratégia. Acredito que uma parcela vai entrar no comércio eletrônico. Não acredito que o modelo que existe vai perdurar, imagino que, talvez, o mecânico no lugar de passar um rádio e falar com outro ser humano vai procurar o produto no site e, em alguns minutos, o motoqueiro entregará aquela peça. Entendo que o celular vai ser o nosso canal de vendas. Hoje é muito mais simples você conversar usando um WhatsApp do que numa ligação telefônica, porque você fala exatamente o que quer, na velocidade que quer. Várias vezes eu me pego mandando uma mensagem ao invés de ligar para as pessoas. No dia a dia diminuiu muito o número de chamas telefônicas. Creio que o mecânico pedirá a peça pelo celular e em poucos minutos receberá sua encomenda. Ele não precisará conversar com ninguém e poderá fazer cotações rápidas em diferentes sites. Esse é um caminho sem volta.

NV – Quem vai ser o provedor dessa solução? Indústria, distribuidor, varejo, marketplace, varejista exclusivamente digital?

AO – Falando muito sinceramente, não sei. Estamos passando por uma fase de transição, com vários modelos de negócios. Há exemplos para todas essas alternativas citadas. Está tudo pronto e andando, mas qual vai perdurar e dar certo ainda é cedo para dizer.

NV – Temos um processo de diversificação da frota que traz modernização e muita tecnologia vem de fora. Qual será o papel do Brasil na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos?

AO – Eu imagino que isso vai continuar. Porque cada região tem necessidades e culturas específicas. A tecnologia está muito relacionada à cultura e ao ser humano que vai usá-la. Podemos fazer no Brasil alguma coisa que não gera interesse na Índia ou nos Estados Unidos. Aqui, a Delphi tem um centro tecnológico e investe muito em pesquisa e desenvolvimento. Chamamos isso de macrotendências, em que tentamos entender o que será necessário prover em 10, 20 ou 30 anos. É por isso que a Delphi tem tantas patentes e muitos cientistas e engenheiros. Inclusive no Brasil. A tecnologia de injetor aquecido foi desenvolvida totalmente aqui; assim como adaptações de algumas bobinas e calibrações de veículos. Existe alguma interação externa? Sim, você não pode abrir mão do que existe em outras regiões, mas a liderança e o desenvolvimento maior ocorreram aqui e isso vai continuar.

NV – Qual é a posição do Brasil, hoje, nos negócios da Delphi? Como a matriz enxerga o país nesta conjuntura complexa que vivemos?

AO – O Brasil tem um problema de contabilidade e isso gera um problema para toda a economia. A Delphi é uma empresa de capital aberto e que, portanto, visa lucro e negócios. É uma empresa de tecnologia, esse é o produto que ela vende. E manufatura. O mercado brasileiro tinha um tamanho e a perspectiva de trabalhar com mais de 3,5 milhões de veículos produzidos por ano. Essa informação foi levada aos Estados Unidos e isso motivou uma série de investimentos. De repente, você coloca um caminhão de dinheiro na operação e, por vários motivos, os volumes de produção de veículos recuam 10 anos e você tem que se readequar. Eventualmente você não vai precisar de todas aquelas fábricas em pontos estratégicos em razão do volume de produção e, então, começa a trazer isso para perto, adequando os volumes. Passa a ser um negócio com outra dimensão aos olhos do investidor. Agora, a Delphi pretende continuar investindo no Brasil? Sim. Tanto é que nós investimos muitos recursos no ano passado e começamos a colocar muito dinheiro neste ano também. E estamos mudando as estratégias. A participação do mercado de reposição está aumentando. São várias movimentações. Sabemos que a melhora não virá da noite para o dia. Estamos apontando os canhões para o mercado de reposição. Mas, afinal, os investimentos permanecem, a empresa continua acreditando no Brasil mesmo com as intempéries.

NV – Tecnologia exige treinamento tanto para o aplicado quanto para o varejo, que vai ter que fazer a venda corretamente. O que a indústria pode fazer para contribuir com a qualificação da mão de obra no mercado?

AO – A Delphi tem mais de 700 postos de serviços na América do Sul que contribuem com isso. Também oferece treinamentos técnicos e comerciais. Temos uma equipe de campo e já chegamos a treinar mais de 15 mil pessoas por ano entre treinamento técnico, técnico-comercial e só comercial. Investimos muito em treinamento.

NV – Como você avalia o atual momento do mercado de reposição?

AO – A Delphi está crescendo dois dígitos no mercado de reposição. Não podemos reclamar. Apesar das turbulências e com a mudança de estratégia que fizemos no ano passado, os resultados operacionais estão aumentando, os volumes de venda estão crescendo. Ampliamos as linhas de produção, os remanufaturados, estamos nos adequando ao novo momento com resultados muito positivos.

NV – Qual é sua mensagem para o varejo de autopeças?

AO – Acredite e vá em busca de marcas que possam trazer confiança. Hoje a maior preocupação da fábrica é garantir a segurança dos usuários. E que todo mundo jogue de maneira igual. Se as regras são claras e todos seguem as mesmas regras, eu consigo me planejar e a competição é adequada. Essa é a parte do governo, em que a gente não tem muito como contribuir. Mas, dentro do mercado, muitas vezes o mecânico tem que trocar duas ou três vezes a mesma peça e ele não contabilizar esse custo. É preciso usar peças de confiança, que devem ser buscadas pelo varejo.


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