Transformação digital é premissa para a sobrevivência de varejistas -

Transformação digital é premissa para a sobrevivência de varejistas

Sócio e gerente geral da Olivia, Reynaldo Naves aponta principais áreas em que a tecnologia impacta o negócio e analisa esses impactos na relação ‘empresa-consumidor’

Lucas Torres [email protected]

A demanda para os varejos realizarem a chamada ‘transformação digital’ ganhou caráter de necessidade e condição de sobrevivência desde a chegada da pandemia. Ninguém está isento deste chamado: nem as gigantes, nem as médias e pequenas empresas. Afinal, o consumidor contemporâneo tem por característica a visualização integrada do ecossistema, de modo a exigir a combinação de experiência e conveniência em todos os canais e lojas com as quais se relacionam.

Este cenário tem impulsionado a disseminação das chamadas ‘consultorias de transformação’ que, como core de atuação, têm a missão de servir como braços externos para auxiliar o varejo a atualizarem seus processos, sem perder o foco naquilo que os sustenta: a operação do dia a dia. Presente em oito países e dona de expertise nas áreas de tecnologia, gestão, recursos humanos e comunicação, a Olivia é um dos players que tem tido destaque nessa tarefa e já auxiliou empresas como Renner, Cassol e Carrefour a darem passos rumo à transformação. Sócio e gerente geral da consultoria, Reynaldo Naves conversou com nossa reportagem para contar um pouco sobre as dores que identifica no varejo nacional e apontar as soluções que aplica nas companhias.

 Novo Varejo Automotivo – Como empresa de atuação internacional, de que forma vocês enxergam o posicionamento do varejo brasileiro nesta onda de transformação digital vivida pelo setor há alguns anos e que se intensificou de 2020 para cá?

Reynaldo Naves – Olha, eu digo que o Brasil é um mercado bastante dinâmico, bastante complexo. Por sorte, os 200 milhões de brasileiros movimentam o varejo de uma forma muito relevante e fazem com que o Brasil não esteja atrás das melhores práticas do setor. Atualmente, o que temos que fazer é a customização e o entendimento empresa-empresa, porque as mesmas tecnologias são muito diferentemente aplicadas de um mercado para outro e de uma indústria para outra.

NVA – É justo dizer que o varejo vive um momento de revolução?

RN – Total. A gente acaba se escondendo um pouco pelo efeito da pandemia. Mas não foi só a pandemia. Afinal, temos três grandes movimentos acontecendo no indivíduo social, no consumidor. Primeiro, ele está muito mais atento ao autocuidado, à individualidade, ao que é básico e ao que é importante… O ser humano, com a pandemia, adquiriu uma dimensão de consciência de si mesmo muito maior. Então ele faz escolhas orientadas a isso: ao seu propósito, aos seus valores, ao que ele entende do mundo. A segunda coisa que acontece é que esse ser humano está muito conectado. Ele tem poder de compra, embora a gente esteja em um contexto mais reprimido de economia no mundo todo. Poder no sentido dele ser dono do ato de comprar. O momento é dele e ele escolhe por variáveis impensáveis. Nesse contexto, a experiência de compra ganhou importância, assim como a forma de pagamento, a fidelização e etc. E a terceira coisa, que a gente não pode esquecer, é muito básica: que esse consumidor está cada vez mais preocupado em como ele recebe o produto. Hoje a gente tem que estar muito atento ao timing, ao prazo e ao local – o que faz com que o momento atual torne muito mais complexa a entrega do produto. Então, além de trabalhar em uma boa mercadoria, você tem que trabalhar em uma boa entrega e em uma distribuição muito forte. Isso ocorre em todos os segmentos: do automotivo ao alimentício. A gente tem pesquisas, por exemplo, que dizem que 66% da potencialidade de escolha da compra por uma marca está vinculada ao processo de entrega.

NVA – Essas mudanças do consumidor, acredito, tem impactado diversos aspectos da operação do varejo. Quais aspectos você destacaria?

RN – Para simplificar, a gente utiliza quatro dimensões para identificar as mudanças que o varejo fez para responder a essas demandas do consumidor. A primeira é a transformação digital. IoT, machine learning, inteligência artificial, 5G, omnicanalidade e etc. Isso veio para ficar. As ferramentas estão disponíveis e o investimento é quase que ‘comoditizado’. A segunda é a experiência de compra. Ela se tornou multicanal. Ou seja, eu quero fazer um pedido pelo WhatsApp, de um produto que eu escolhi pela internet e que eu vou retirar na loja perto do meu trabalho. Então, esse processo envolve tecnologia, mas eu estou falando mais sobre experiência de compra e ela não é só do produto: eu posso receber um conteúdo complementar, um convite para um serviço ou algo do tipo. Já o terceiro, não nego, é um investimento pesadíssimo – e que muda a cadeia do varejo – que é a logística. Eu vou entregar mais rápido, mais longe e em qualquer lugar. O quarto e último é colocar dados em tudo isso. Porque, como você gasta muito dinheiro, você precisa saber o que gera mais valor nessa cadeia – que agora é um ecossistema. Não adianta só você medir a taxa de conversão do carrinho da internet. Você precisa medir o custo de aquisição do cliente, de retenção e antecipar o potencial de consumo para vender aquilo que naquele ciclo de consumo faz sentido. Resumindo: a ciência de dados veio para ficar.

NVA – Até agora falamos de um mundo ideal, de conceito. Qual é o tamanho do gap daquilo que você propõe com a prática diária, tanto em termos de processos internos quanto no âmbito da experiência do consumidor?

RN – A gente trabalha com grandes grupos de varejo. Esses grupos não subsistem mais sozinhos. Hoje se fala muito em ecossistema e envolve outros varejistas, fechando, portanto, essa cadeia de valor e fazendo com que todo o varejo tenha de passar por isso. A principal mudança – e isso independe se é grande varejista, multinacional ou local – é do ponto de vista do entendimento de que o varejo é capital humano intensivo. Todo o investimento tecnológico, processos e governanças, do pequeno ao grande, passam pelo balcão, pela ponta. Pelo site… Então, a gente tem que simplificar e desmistificar um pouco essa transformação. Eu vejo muito claramente o processo do varejo orientado a definir uma visão que tem que estar empoderada e compreendida na ponta. O nosso trabalho é exatamente este, de diminuir este gap ao conectar estratégia a pessoas. Porque na ponta, o momento de compra é único para o consumi – dor. É preciso ter uma narrativa clara, única, inspiradora, potente… Até hoje o Walmart abre loja com música, bandeira e tudo. Porque é um marco. É importante você ter isso, o seu DNA é importante. Uma outra questão que vale a pena nesse processo é se preparar para ele. E essa preparação depende de modelos de gestão muito mais abertos a esse futuro do trabalho. Em pesquisas que fizemos, 33% dos líderes são vistos por seus liderados como não preparados para a mudança. E isso, muitas vezes, trava o processo de transformação. Então, investir em desenvolvimento de liderança e modelo de gestão é muito importante.

NVA – Você falou rapidamente sobre a ciência de dados ter vindo para ficar. Em quais processos ela impacta?

RN – A gente trabalha muito com o conceito de dados aplicados à trans – formação. O que eu acho que é muito importante, é que o varejo tem na mão dele a possibilidade de entender o hábito de consumo. E isso é muito importante para a indústria, lá no início do processo, para atividades como desenvolvimento de novos produtos, criação de novas funcionalidades e etc. Eu sou engenheiro mecânico, apaixonado por automóveis, e me lembro que tínhamos um longo processo de pesquisas para projetar o lançamento de carros cinco anos antes. Hoje não temos esse conceito. O ciclo de desenvolvimento é tão rápido que você não tem cinco anos para o desenvolvimento de um novo automóvel. Então, eu vejo o varejo usando dados como fortaleza de desenvolvimento da indústria. Dados de consumo, durabilidade e etc. A segunda coisa que eu acho muito importante é a observação do dado sobre como o varejo consegue entender as mensagens-chaves dos produtos que ele vende. Antigamente, a gente não conseguia fazer isso. A gente trabalha com cadeias de varejo que pode mobilizar vinte mil pessoas e a própria estrutura diz pra você quais são os 200 promotores que podem influenciar no consumo daquele produto. E eles podem ser promotores ou detratores. A revolução é usar dados para, inclusive, engajar as pessoas em cima das mensagens – -chave, dos produtos-chave e até dos comportamentos-chave. O promotor da loja precisa ser treinado para isso, para ser multifuncional e entregar a experiência que o consumidor deseja, de acordo com aquilo que mostram os dados.

NVA – Por fim, não poderíamos deixar de falar do e-commerce. O fato de você ter uma operação digital de venda de produtos pode servir para fidelizar clientes ou você abre um leque contrário?

RN – Ele é necessário e indispensável, independente do porte da empresa. Hoje, para você ser reconhecido tem que ter o site. Em segundo lugar, e ainda mais importante para o pequeno varejo, é a importância dos canais dos grandes distribuidores para você expor seus produtos. Acima de tudo, você precisa existir. Vamos pensar em moda. Você pode criar uma marca, ter uma ou duas lojas, mas também pode vender em um grande distribuidor especialista ou genérico. Ou seja, você pode colocar na Renner ou no Magalu como complemento de estratégia. Então, eu não vejo expansão do varejo sem considerar a conexão com o e-commerce, porque o consumidor final pede isso e ele vai te descobrir pelo Google. A segunda coisa que eu acho importante é que os ecossistemas distribuem conteúdo, têm portais de pagamento seguro e fazem até análise de cré – dito para pessoas jurídicas. Então, o mundo requer que você esteja apto para isso e essa atitude não significa desprendi – mento do seu core. Se você for um vendedor de cosméticos, você até pode criar três lojas conceito, mas sem deixar de distribuir em um grande varejista. É preciso estar conectado com esse ambiente digital e o e-commerce é um canal para isso. Eu sou bastante adepto. Todos os ecossistemas montam loja para você, de modo que você tem uma loja dentro da ‘grande loja’. Minha recomendação é: entenda que o e-commerce é condição de sobrevivência, é a base para começar e uma premissa de negócio.


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