Princípios e mecanismos que permitam a utilização da Inteligência Artificial (IA) de forma eficiente, ética e segura precisam estar na cartilha de boas práticas de todas as empresas que buscam escalar a gestão e a administração dos negócios com o uso da ferramenta. As políticas de utilização da tecnologia, em especial no comércio eletrônico e no setor varejista, foram discutidas em reunião do Conselho de Economia Digital e Inovação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), realizada na última segunda-feira (16).
Everton Baptista, gerente de Inteligência e Análise de Dados de IA da Leroy Merlin, compartilhou exemplos de como a tecnologia tem mudado o setor ao revolucionar a experiência de compra e otimizar processos internos da empresa. As soluções incluem desde a personalização da navegação de acordo com a jornada de cada cliente até uma espécie de “concierge” de vendas que ajuda os usuários a entenderem as especificidades dos produtos.
Baptista citou o aumento da produtividade e a redução de custos advindos da utilização da ferramenta, mas ressaltou que é preciso investir em processos eficientes para obter soluções. “A Inteligência Artificial não resolve tudo”, pontuou. Segundo ele, outro ponto fundamental para ter sucesso na incorporação da tecnologia é desenvolver projetos voltados à conscientização e à capacitação dos times, ao criar uma cultura interna que elimine as barreiras de usabilidade entre os colaboradores.
Ele afirmou que, embora a ciência de dados e a pesquisa já fizessem parte da cultura da Leroy Merlin, a popularização da tecnologia, nos últimos anos, fez com que a estratégia nessa área fosse aprimorada. “Nós desenvolvemos uma política de uso e construção de IA visando a governança, segurança e garantia dos valores da companhia”, explicou, a respeito da incorporação da tecnologia na empresa, que também ocorre por meio de parcerias.
Ainda segundo o executivo, o fato de a companhia ter investido na governança mesmo antes desse movimento de democratização do uso da IA no varejo contribuiu para reduzir as dificuldades e ampliar a qualidade dos dados utilizados. O fomento dessa governança é um dos objetivos do plano 2024–2025 da empresa.
Uso da IA na União Europeia
Ao discutir, na reunião, a regulação da IA na União Europeia (UE), a advogada Verônica Barros, do escritório VLK Advogados, apresentou um panorama da legislação voltado especialmente ao ambiente digital. Um dos principais pontos de atenção para as empresas é quanto à sua aplicação extraterritorial, o que pode impactar fornecedores e usuários internacionais de sistemas de IA sempre que os seus produtos e serviços forem utilizados e/ou fornecidos na UE.
A lei entrou em vigor em agosto de 2024, mas alguns dos seus artigos ainda estão com a eficácia suspensa e devem ser implementados paulatinamente. De acordo com Verônica, com a extraterritorialidade da legislação europeia, sistemas devolvidos no Brasil, mas implementados no bloco econômico, deverão obedecer à legislação estrangeira — e nacional, quando esta for implementada —, tornando os processos ainda mais complexos. “Por isso que nós sempre defendemos muito esta questão: é preciso, de fato, o Estado interferir e regular?”, provocou.
Verônica explicou que, como já há outras regulações que se aplicam, o Estado deveria agir apenas quando o mercado atuasse de forma disfuncional. Para a advogada, a discussão sobre boas práticas no uso da ferramenta é tão fundamental e positiva para as empresas exatamente por isso. “O Estado, ao ver uma atitude proativa na utilização e no desenvolvimento de sistemas de IA éticos e responsáveis, talvez se conforte um pouco mais”, declarou.
“Isso mostra como as fronteiras nacionais [definidas] por territórios espaciais são completamente diferentes e alheias à internet, que não tem fronteiras”, completou Andriei Gutierrez, presidente do Conselho de Economia Digital e Inovação da FecomercioSP. “Precisamos fazer um malabarismo jurídico para tentar resguardar a soberania dos países dentro desse ambiente”, completou, ao comentar o cenário de insegurança jurídica envolvida.
No Brasil, a FecomercioSP tem acompanhado o Marco Regulatório de Inteligência Artificial (IA), em tramitação no Senado Federal. No começo do mês, a Entidade se reuniu com o gabinete do senador Eduardo Gomes (PL/TO) e com a diretora de Promoção da Liberdade de Expressão da Secretaria de Políticas Digitais do governo federal, Samara Castro, para apresentar sugestões ao relatório produzido pela Comissão Temporária de IA (CTIA).
Apesar de reconhecer avanços, a Federação acredita que o texto do PL 2.338/23 ainda precisa de ajustes para reduzir a insegurança jurídica e os riscos à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. A FecomercioSP vai continuar contribuindo para o setor público a fim de que os pleitos das empresas sejam considerados, evitando excessiva burocratização do ambiente de negócios.
Regulação das Big techs e combate à pirataria
A Entidade também acompanha a tramitação dos Projetos de Lei (PLs) sobre a regulação das Big Techs e da responsabilidade solidária dos marketplaces com relação a venda de produtos falsificados, ambos em discussão no Congresso Nacional. A principal preocupação da Federação é que as propostas de legislação não onerem e burocratizem o ecossistema digital, prejudicando ou até mesmo inviabilizando o ambiente de negócios e atração de investimentos.
Uma dessas matérias é o PL 2.804/2024, de autoria do senador Angelo Coronel (PSB/BA), que estabelece, dentre outras medidas, a tributação de 5% sobre a receita bruta de corporações que registrarem receita global anual superior a R$ 50 milhões. De acordo com o texto, o valor será usado na criação de um Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para atender à necessidade da população de baixa renda de acesso à internet. O projeto ainda prevê que a fiscalização das plataformas será realizada pela Anatel e pela ANPD.
O PL 3.001/2024, por sua vez, de autoria do deputado federal Júnior Mano (PL/CE), visa estabelecer medidas preventivas para evitar a comercialização de produtos que infrinjam os direitos de propriedade intelectual nas plataformas de comércio eletrônico e propõe penalidades àqueles que descumprirem. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o comércio de bens piratas representa 3,3% do comércio global.
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