Maior feira do varejo no mundo, a NRF Retail’s Big Show reuniu os principais líderes, especialistas e entusiastas do setor entre os dias 12 e 14 de janeiro, na cidade de Nova Iorque (EUA), para discutir as tendências que devem pautá-lo em 2025 e no futuro próximo.
Ao longo dos três dias, os cerca de 40 mil visitantes tiveram acesso a um amplo debate sobre temas como inteligência artificial aplicada, ciência de dados, comportamento do consumidor e novas fontes de receita que cada vez mais se colocam à disposição das empresas varejistas.
Dono do sétimo maior mercado consumidor do planeta, o Brasil esteve amplamente representado no evento – não apenas pelo fato de contar com 30% do total da delegação internacional, mas também por protagonizar painéis a partir da participação de especialistas como Eduardo Yamashita (Grupo GS& Gouvêa de Souza) e Fernando Rosa (Havaianas).
A delegação brasileira presente na edição 2025 da NRF contou também com empresas especializadas no desenvolvimento de tecnologias para o setor e fornecedores de produtos, casos de 87Labs e da Relaxmedic, organizações que, na figura de seus respectivos CEOs, Thiago Pisano e Renato Carvalho, nos ajudaram a colocar os benchmarks apresentados no evento na perspectiva brasileira.
A partir de entrevistas com ambos, bem como com informações recebidas de parceiros direto dos pavilhões da NRF, resumimos os assuntos mais relevantes do evento. Confira na reportagem especial a seguir!
Inteligência artificial e ciência de dados
estão no centro das transformações
A inteligência artificial foi uma das protagonistas da NRF 2025 e, diferente de outras ocasiões, quando foi abordada como uma tendência futura, teve sua capacidade vigente de transformar o varejo evidenciada por empresas gigantes do setor. Um dos grandes destaques nesse sentido foi o uso de gêmeos digitais, modelos virtuais utilizados para simular o comportamento e o desempenho de cenários equiparáveis no mundo físico/real, que foram apresentados como ferramentas essenciais para otimizar operações e melhorar a experiência do consumidor. No Walmart, por exemplo, esses gêmeos digitais já são usados em 1.700 lojas para aprimorar layouts e acelerar processos estratégicos, enquanto marcas como a Sephora demonstraram o impacto da IA generativa na personalização de recomendações, elevando o nível de engajamento do cliente.
A NRF 2025 fez questão de reforçar que o impacto desta personalização cada vez mais acentuada vai além da experiência de compra, influenciando diretamente a gestão de sortimento – algo fundamental hoje no varejo de autopeças em meio a uma frota extremamente diversificada – e a localização de produtos. A tendência de adaptação das lojas a perfis específicos de consumidores já é, por exemplo, uma realidade entre gigantes do varejo como Kroger e Tesco, que utilizam ferramentas avançadas para ajustar seu mix de produtos com base em dados demográficos e padrões de consumo. Isso responde a uma mudança fundamental no comportamento do consumidor moderno, que busca não apenas conveniência, mas também ofertas que reflitam gostos e necessidades locais.
Ainda sobre a combinação IA-Ciência de dados, a Amazon também trouxe contribuições relevantes como uma apresentação sobre o Rufus, seu assistente de compras conversacional – uma versão atualizada do que conversamos no ‘chat-bot’, que proporciona uma experiência mais fluida e menos robotizada. Além de seu agente de IA, a empresa destacou que:
- utiliza IA para otimizar a logística com robôs e algoritmos que ajustam automaticamente a alocação de produtos, reduzindo custos e garantindo entregas em tempo recorde;
- e para resumir avaliações de clientes e reescrever títulos de produtos, tornando-os mais atrativos e otimizados para buscas.
Geração Z como motor das novas estratégias
Os comportamentos da chamada GenZ como drive da aplicação de tecnologias como a IA e a ciência de dados e, sobretudo, da abordagem estratégica das empresas, foram amplamente discutidos na feira. Neste contexto, os palestrantes chamaram a atenção para o fato de que as novas gerações têm demandado uma resposta por autenticidade, criatividade e conectividade emocional com compartilhamento de valores. Essa geração, assim como a Geração Alpha, está moldando o mercado com hábitos de consumo voltados para produtos exclusivos, de alta qualidade e alinhados a propósitos claros. Enquanto a GenZ valoriza autenticidade e criatividade, a Geração Alpha, nativa digital, prefere conteúdos interativos e transmissões ao vivo, criando novas demandas para o varejo.
Dentro deste contexto, o comércio social, com destaque para o TikTok, emergiu como uma das principais plataformas para atingir esses públicos. Um dos exemplos citados na feira foi a venda de quase meio milhão de jeans em 18 meses pela plataforma, evidenciando o poder de estratégias como narração visual, transmissões ao vivo e parcerias com influenciadores. Marcas como a Claire’s estão explorando o conceito de cocriação com jovens consumidores, colocando-os no centro de decisões como design de produtos e campanhas. Já a Rare Beauty reforça sua autenticidade ao alinhar suas estratégias com causas como saúde mental, criando laços emocionais profundos com o público.
Outra tendência destacada foi a importância do social listening e do feedback direto dos consumidores. Grupos focais e funcionários de lojas estão desempenhando papeis cruciais como embaixadores da marca, ajudando a identificar tendências e ajustar estratégias. Além disso, marcas que apostam na cocriação e na conexão emocional, como a Sephora com sua “Sephora Squad”, têm conseguido construir lealdade em um mercado competitivo. Planos de expansão focados em experiências físicas também ganharam destaque. A abertura de 100 novas lojas nos próximos três anos, metade delas em cidades universitárias, mostra como o varejo físico ainda pode ser relevante quando combinado com experiências envolventes, como colaborações de moda e shows ao vivo.
A NRF 2025 ressaltou ainda que consumidores das gerações Z e Alpha “votam com suas compras”, apoiando marcas que promovem impacto positivo no mundo. Parcerias com celebridades e influenciadores que defendem saúde mental e sustentabilidade têm sido fundamentais para gerar fidelidade e engajamento, reafirmando que o propósito e a autenticidade são tão importantes quanto o produto em si.
Slow Retail e estratégias personalizadas por canal
A velocidade propiciada pelo avanço do e-commerce deu, inicialmente, a impressão de que tudo no varejo precisaria ser veloz a partir dali. Durante a NRF 2025, especialistas como Lee Peterson, da consultoria global WD Partners, reforçaram que 68% dos consumidores preferem comprar justamente por esses atributos – de modo que a parcela restante provavelmente busca as lojas físicas por outros motivos.
Sendo assim, o especialista destacou que as modalidades físicas devem se concentrar em proporcionar experiências emocionais e memoráveis, apostando em design diferenciado, exclusividade de produtos e atendimento excepcional. Neste contexto, estratégias como o movimento slow retail, que prioriza qualidade e personalização, foram apontadas como essenciais para criar ambientes que conectem os consumidores emocionalmente à marca.
Marcas como LEGO e IKEA foram citadas como exemplos de lojas mais do que um ponto de compra, tornando-se locais de vivência e storytelling por meio de design interativo e experiências personalizadas.
Formatos como pop-ups e showrooms também foram destacados por sua capacidade de oferecer exclusividade e atender à preferência de consumidores por lojas locais. Além disso, a localização estratégica dessas lojas foi citada como um diferencial competitivo crescente, especialmente para consumidores que buscam conveniência e proximidade.
Retail Media e as receitas adicionais do varejo
Destaque da NRF 2024, o Retail Media teve espaço mais modesto, mas não ficou de fora das discussões centrais da feira deste ano. Citado como uma forma de suprir a necessidade dos varejistas de encontrar receitas adicionais à venda de produtos, este modelo de publicidade se vale da capacidade de coleta de dados dos varejistas diretamente junto aos seus consumidores e o poder de segmentação e personalização que isso lhes dá, e tem apresentado números impressionantes pelos varejistas que já encontraram as melhores formas de utilizá-lo. Atualmente, os gastos com anúncios off-site (fora do ambiente da loja) já superaram os investimentos on-site, e a expectativa é de que esse segmento atinja US$ 25 bilhões até 2028.
Empresas como Amazon, Target e Nordstrom lideram iniciativas estratégicas nesse campo. A Target, com sua rede Roundel, utiliza dados de 165 milhões de clientes para personalizar anúncios e integrar campanhas em canais on-line e off-line. Cerca de 30% de seu investimento em publicidade já é destinado ao off-site, superando a média do setor, que está em 21%. Parcerias com plataformas como Pinterest, Google e Meta reforçam sua capacidade de criar campanhas impactantes e mensuráveis.
A mensuração de desempenho, aliás, também foi um ponto central nos debates. Indicadores como atribuição de vendas, incrementabilidade e engajamento do cliente são essenciais para otimizar campanhas e demonstrar retorno sobre o investimento. Além disso, o foco está cada vez mais em proporcionar experiências significativas cujo impacto vai além do que pode ser medido pelo tradicional ROAS (Retorno sobre o Investimento em Anúncios).
Em suma, o futuro do Retail Media, segundo os especialistas presentes na NRF 2025, dependerá da capacidade de integrar dados, personalização e criatividade para entregar experiências emocionais e conectadas.
Empresas que equilibrarem tecnologia avançada e conexão humana estarão mais preparadas para liderar esse segmento, garantindo resultados que transcendem a publicidade convencional.
As discussões da NRF e o varejo brasileiro
Em entrevista exclusiva ao Novo Varejo, Thiago Pisano e Renato Carvalho, CEOs da 87Labs e da Relaxmedic, respectivamente, trazem as novidades e tendências apresentadas na NRF 2025 para a realidade do varejo brasileiro.
Novo Varejo – Explorada de maneira prática e aplicada no evento deste ano, a IA também já faz parte concreta do nosso varejo?
Thiago Pisano – Sim, a inteligência artificial já é uma realidade no varejo brasileiro e tem sido amplamente utilizada na personalização da experiência do cliente, na otimização de operações e na análise de dados para tomada de decisão. Isso, claro, quando falamos de grandes empresas como Droga Raia e Centauro. Vale pontuar, porém, que, na minha visão, o varejo brasileiro como um todo é bem menos maduro do que o dos EUA. No longtail e em empresas médias, estamos muito menos avançados em relação ao que vemos lá, tanto em personalização quanto em atendimento e otimizações.
Renato Carvalho – Sim, a inteligência artificial já é uma realidade no varejo brasileiro. Diversas empresas no país têm adotado a IA para otimizar suas operações e estratégias. Eu destacaria, por exemplo, seu uso em áreas como logística, distribuição de produtos, personalização de experiências no ponto de venda e suporte aos funcionários. O uso de chatbots internos, por exemplo, agiliza processos e melhora a eficiência operacional, especialmente em empresas com alta rotatividade de colaboradores.
Novo Varejo – Embora de uma maneira menos intensa do que no ano passado, o Retail Media teve seu espaço de destaque na NRF 2025 – sobretudo nas discussões envolvendo a necessidade de o varejo encontrar novas fontes de receita em meio a um cenário de margens apertadas. Como essa modalidade tem sido explorada pelo varejo brasileiro? De que maneira o amadurecimento do uso dos dados primários e da IA no setor varejista está impulsionando esse crescimento?
Thiago Pisano – Em 2024, o investimento em retail media cresceu em torno de 42% no Brasil e a soma dessas duas ferramentas tem sido importante para otimizar os investimentos e gerar mais retornos. Os dados primários coletados pelo varejo ajudam a entender o comportamento de cada consumidor e o uso da IA pode melhorar a qualidade e o timing do conteúdo mostrado. Por exemplo, um anúncio de uma campanha de biquini seria um sucesso no nordeste durante a última semana de janeiro, pois estava sol. No sudeste, porém, seria um fracasso por conta da chuva.
Renato Carvalho – O retail media está sendo explorado no Brasil, com enorme potencial para expansão. Grandes varejistas online, como Mercadolivre e Amazon, já tem isso como fonte importante de receitas, e também usam essas receitas em campanhas com seus sellers a fim de terem melhores preços e maior marketshare. A coleta e análise de dados primários são fundamentais para criar campanhas mais direcionadas e assertivas, gerando receita com menores custos de marketing.
Novo Varejo – Além de vocês, diversos varejistas e consultores brasileiros tiveram a oportunidade de participar e até comandar painéis na NRF 2025. O que isso diz sobre a relevância do varejo brasileiro no cenário internacional?
Thiago Pisano – A delegação brasileira foi a maior delegação internacional levando mais de 1000 pessoas em comitivas preparadas por várias empresas de eventos. O varejo brasileiro é um mundo por si só, e a característica de o brasileiro assumir mais riscos gera um ambiente muito interessante para empresas que fornecem tecnologia para o varejo – o Brasil é visto como um mercado com grande potencial.
Renato Carvalho – A participação ativa de varejistas e consultores brasileiros na NRF 2025 reflete a força do Brasil. Em um cenário desafiador de câmbio, de regime tributário insano, e competição em condições desiguais com marketplaces internacionais, mesmo assim o Brasil é destaque. Essa presença evidencia a capacidade do varejo nacional de inovar, compartilhar práticas de sucesso e se alinhar às tendências internacionais, demonstrando sua competitividade e protagonismo.