Xiaomi SU7: a dura realidade das montadoras -

Xiaomi SU7: a dura realidade das montadoras

Por que o consagrado fabricante chinês de smartphones está lançando um carro? Porque o mundo não é mais aquele que você conheceu um dia

“Num prazo de 15 a 20 anos, a Xiaomi pretende se tornar uma das cinco principais fabricantes de automóveis globais”. Em outros tempos, a afirmação de Lei Jun, fundador, presidente e CEO do Grupo Xiaomi, soaria como uma piada. Afinal, ele está falando de uma empresa conhecida e consagrada pela produção de smartphones. Então, do alto de sua convicção, você perguntaria: como uma empresa de aparelhos celulares pode ter a pretensão de fazer um automóvel e, mais do que isso, entrar para o seleto grupo de líderes mundiais do setor?

A resposta é simples e, ao mesmo tempo, complexa: é porque o mundo mudou espetacularmente e o setor automotivo cada vez mais vai se distanciar daquela configuração secular das montadoras que todos nós nos acostumamos a conhecer e que, durante décadas, forneceram os carros que usamos ainda hoje. Mas o que tudo isso tem a ver com o celular? Eu tenho certeza que você, que atua no setor automotivo, já ouviu alguém falar que os carros estão se tornando smartphones sobre rodas. Acredite, isso não é uma figura de linguagem. É a mais absoluta verdade. “Se nós desmontarmos hoje um painel multimídia ou uma OBU – Onboard Unit e analisarmos os blocos que estão ali dentro, vamos encontrar um elemento de alta capacidade de processamento, como existe no smartphone; um sistema de recepção de sinal de câmera, como as câmeras de ré ou outras que ajudam na condução; sistema de áudio de altíssima qualidade, com comando de voz; e, o ponto crucial, a conectividade – a conectividade celular hoje é indispensável para tudo isso. Novas propostas de valor estão sendo ofertadas aos consumidores graças a esse advento do smartphone sobre rodas”, detalhou o especialista José Palazzi, diretor da Qualcomm, indústria de alta tecnologia que fornece recursos de conectividade para as montadoras, durante recente participação no podcast Diálogo Automotivo, da A.TV, o canal de conteúdo em vídeo no Youtube do aftermarket automotivo.

Então começamos a entender melhor a analogia entre os smartphones e os carros. Mas, isso ainda não explica como um fabricante de celulares desenvolveu expertise para fabricar automóveis. Fique tranquilo, não vamos deixar essa questão sem resposta. Para isso, recorreremos mais uma vez ao Palazzi: “Essa proliferação tecnológica permitiu que novos players aparecessem e, agregando isso ao fato de o veículo 100% elétrico ter uma quantidade de peças móveis menor, há uma natural tendência de fabricação – óbvio que eu respeito muito todos os fabricantes em todas as suas vertentes, tenho grande admiração por aqueles que têm às vezes séculos de uma qualidade incrível, mas também observo com respeito os novos entrantes, que têm tido competência de fazer bons projetos e escolher bons supridores de tecnologia”.

ARQUITETURA

Para fechar essa equação, é importante relembrar as condicionantes que ao longo de décadas foram determinantes para a fabricação de um automóvel: essencialmente motor e transmissão. “A gente sempre comprou carro confiando no motor e no câmbio. As montadoras adquiriram a capacidade de engenharia para construir motores e câmbios confiáveis. Só podia fabricar carro quem tinha motor e câmbio”, expôs Gerson Prado, CEO da Nexus Internacional, em sua palestra de inauguração da feira Autop 2022, em Fortaleza (CE). Só que o carro elétrico não tem powertrain. “Muda tudo. O carro elétrico tem rodas, chassi – que são as baterias – e um motor elétrico. O que vai definir o carro daqui pra frente? Software. E com o baita mercado de 5 trilhões que teremos, as montadoras desesperadamente saíram com investimentos bilionários em desenvolvimento de software para veículos elétricos”, expôs com clareza o executivo. Aí está! Agora a equação se fecha com perfeição. Para fabricar um carro, a indústria vai precisar de fornecedores de baterias, motores elétricos e componentes undercar. O restante – e mais importante – é definido pelo software. E disso a Xiaomi entende. Assim nasceu o SU7, o smartph…, quer dizer, o carro elétrico da Xiaomi, que começa a ser vendido em 2025. “Muda o eixo do poder de fabricação do carro no mundo, que era Estados Unidos e Europa, mas vai se movimentar para a China. E olha quem está entrando no carro elétrico: Sony, Huawei, Google, Microsoft e Apple. Todas terão carros elétricos porque eles serão definidos por software e esses caras dominam tudo de software. Já que o carro ficou fácil de fazer, um monte de gente nova está fabricando ou vai fabricar carro elétrico”, sentenciou Gerson Prado em sua apresentação. Aquilo que o executivo da Nexus disse em 2022 já é, portanto, realidade. “Tem mudado substancialmente a forma como as pessoas selecionam seus veículos. Hoje, quando vão a uma concessionária – e eu ouço isso de montadoras – elas não perguntam mais com tanta veemência qual é a potência do motor. A pergunta mais comum é o que roda no multimidia, se ele é atualizável, que Android está ali dentro, se ele roda sem fio, ou seja, se posso entrar com meu smartphone no bolso e sincronizar as informações sem a necessidade de uma conexão por cabo”, contou José Palazzi.

Então prepare-se para um mundo totalmente novo. As marcas de automóveis com que nos acostumamos por décadas estão prestes a enfrentar uma concorrência que jamais poderiam imaginar num passado não muito distante. E, por incrível que pareça, esses novos competidores chegam capacitados a oferecer um carro até melhor do que quem passou a vida inteira aprendendo a projetar e fabricar automóveis. Bom, se de fato em 15 ou 20 anos a Xiaomi se tornar uma das cinco maiores indústrias de automóveis do mundo, alguém muito famoso e conceituado até agora terá ficado para trás.

Pronto pra briga: o carro da Xiaomi

Os veículos elétricos Xiaomi se sustentarão em cinco tecnologias principais estabelecidas pela fabricante: e-motor, bateria, fundição, piloto autônomo e cabine inteligente. Vejam como estes pilares em grande medida se alinham com todo o raciocínio desenvolvido em nosso texto até aqui. Vamos, afinal, trazer alguns detalhes sobre o carro – ou smartphone sobre rodas – que concretizará uma das mais disruptivas transformações da indústria de veículos desde 1886, quando os alemães Gottlieb Daimler e Karl Benz apresentaram os primeiros veículos aceitos como automóveis. Posicionado como um sedã de alta performance ecológica – outro sintoma dos novos tempos – o SU7 representa, segundo o CEO da Xiaomi, um passo crucial em direção ao fechamento do ciclo do ecossistema inteligente Humano x Carro x Casa. Repare que tal afirmação foge totalmente de tudo o que sempre ouvimos por ocasião da apresentação de modelos lançados pelas montadoras tradicionais. A Xiaomi defende que os veículos elétricos inteligentes caminham rumo à integração da indústria automobilística com eletrônicos de consumo e ecossistemas inteligentes, um passo necessário para a evolução da indústria, ainda segundo a fabricante. A cobertura do ecossistema se estende a mais de 95% dos cenários diários dos usuários, permitindo que a inteligência sirva intricada – mente a cada indivíduo. Os conceitos são tão revolucionários que quase estou esquecendo de falar do carro. Então vamos lá.

Começando pelos denominados e-motores, desenvolvidos e fabricados independentemente, são identificados como HyperEngine V6, V6s e HyperEngine V8s. Já dá pra perceber que eles têm a pretensão de entregar rendimento compatível com similares a combustão de 6 e 8 cilindros em V. O HyperEngine V8s gira a impressionantes 27.200 rpm, tem 425 kW de potência de saída e torque máximo de 635 N/m.

Sem querer exagerar aqui nas informações técnicas, a Xiaomi destaca ainda a tecnologia de célula invertida, a intercamada elástica multifuncional e um sistema de fiação minimalista – resultando em eficiência de integração de bateria de 77,8%, a mais alta entre as baterias CTB em todo o mundo, uma melhoria geral de desempe – nho de 24,4% e uma redução de altura de 17mm, com capacidade máxima de bateria de até 150 kWh e alcance teórico de recarga CLTC superior a 1200 km.

Uma rápida passada no quesito fundição, tido como um diferencial: a empresa apresentou o cluster Xiaomi Hyper Die-Casting T9100 autodesenvolvido e um novo material de liga de fundição sob medida, Xiaomi Titans Metal. O cluster permite à fabricante pesquisar simultaneamente fundição em grande escala e materiais. E também propiciou um feito importante com o underbody traseiro integrado 72 componentes em um, reduzindo as juntas soldadas em 840, diminuindo o peso total do carro em 17% e baixando as horas de produção em 45%.

Mas, voltando ao mundo normal, e para quem vai dirigir? Vai necessariamente entrar na Cabine Inteligente EV que oferece um console central de 16,1 polegadas 3K, um display HUD head-up de 56 polegadas, um painel de instrumentos giratório de 7,1 polegadas e dois suportes de extensão de encosto de assento que permitem a montagem de dois dispositivos tablet. Um chip para carros com po – der de computação de IA possibilita experiência interativa final com a interligação de cinco telas diferentes. Em termos de integração de hardware, o SU7 suporta mais de 1000 dispositivos domésticos inteligentes Xiaomi para integração sem esforço com o veículo, pemitindo descoberta automática, acesso sem senha e capacidade de configurar cenários de automação, criando um robusto ecossistema CarIoT.

Outro entre os cinco pilares é o Piloto Automático Autônomo. Aqui já entramos na tecnologia de software inteligente, em que a fabricante está muito à vontade. São três recursos em destaque: Tecnologia Adaptativa BEV, Modelo Fundacional de Mapeamento de Estradas e Tecnologia de Rede de Ocupação Super-Res. A primeira invoca algoritmos de percepção com base no cenário e, com alcance de reconhecimento de 5 cm a 250 m, garante visibilidade mais ampla em cenários urbanos, visão estendida em cenários de alta velocidade e mais precisão em cenários de estacionamento. O Modelo Fundacional de Mapeamento de Estradas não só reconhece as condições da via em tempo real e muda inteligentemente para uma trajetória de direção mais adequada, como também pode navegar suavemente em cruzamentos complexos sem depender de mapas de alta definição, graças ao aprendizado de cenários e hábitos do motorista. Em termos de reconhecimento de obstáculos, a Tecnologia de Rede de Ocupação Super-Res simula todos os objetos visíveis, como superfícies curvas contínuas. Isso melhora a precisão de reconhecimento para até 0,1m. Além do Modelo Fundacional de Mapeamento de Estradas, a Xiaomi também desenvolveu independentemente o primeiro “Modelo de IA de Sensação e Tomada de Decisão de Ponta a Ponta” para estacionamento automatizado que proporciona observação em tempo real e ajuste dinâmico ao estacionar em cenários desafiadores, como estacionamentos que incluem elevadores.

Já o ecossistema Xiaomi CarIoT é totalmente aberto a terceiros, apresentando interfaces padronizadas, extensos padrões de protocolo de comunicação e soluções de retrofit leves para dispositivos existentes. Lei Jun afirmou que a etapa final dos veículos elétricos inteligentes é a fusão de avanços tecnológicos e a integração perfeita das necessidades do usuário e de seus veículos, onde dirigir se torna intuitivo. O ecossistema inteligente Human x Car x Home permite colaboração e evolução mútua entre indivíduos, dispositivos e serviços inteligentes dentro do ecossistema. Aproveitando a conectividade cruzada HyperConnect entre dispositivos, o Xiaomi HyperOS integra perfeitamente mais de 200 categorias de produtos, incluindo o Xiaomi EV. Mas, afinal de contas, estamos falando sobre um carro ou um smartphone? Sinceramente, não sei mais dizer. Nada do que você leu até aqui nos remete àquilo que aprendemos sobre os automóveis. Para encerrar este texto no campo da familiaridade que criamos – e que agora teremos de rever completamente – com o mundo das quatro rodas, fica uma informação que hoje talvez seja apenas uma anotação nostálgica.

O Xiaomi SU7 Max acelera de 0 a 100 km/h em quase inacreditáveis 2,78 segundos e atinge a velocidade máxima de 265 km/h.

Não é lá muito espaçoso, mas o
porta-malas ainda existe num carro
que é quase uma nave espacial
Motor elétrico “V8” gira a 27 mil rpm, mas outro ainda mais poderoso
está em desenvolvimento e pode chegar a 35 mil rpm
Mais baixa e mais eficiente, a bateria do SU7
também está entre os destaques do sedã
Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Notícias Relacionadas