Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças, analisa o momento vivido pelas indústrias de autopeças e fala sobre as prioridades de sua gestão
Claudio Milan
claudio@novomeio.com.br
O investimento das indústrias de autopeças no Brasil este ano deve ficar na casa dos US$ 415 milhões. Segundo Dan Ioschpe, novo presidente do Sindipeças, o resultado é louvável se considerarmos que o setor enfrenta, provavelmente, a pior crise de sua história. “Mas a indústria de autopeças está ativa e não jogou a toalha”, diz o executivo.
À frente da entidade que representa os fabricantes de componentes para veículos desde março, Ioschpe tem como um de seus desafios “seguir trabalhando em prol de medidas que aumentem a competitividade do setor, seu adensamento e a sua integração internacional”. Um dos caminhos para atingir o objetivo pode ser o programa que sucederá o Inovar-Auto. “Queremos que esse programa tenha horizonte mais longo e que contemple iniciativas voltadas ao desenvolvimento e à industrialização de autopeças no Brasil”.
Conheça a seguir a visão e os planos de Dan Ioschpe em entrevista exclusiva ao Novo Varejo.
Novo Varejo – Quais foram as motivações que o levaram a assumir a presidência do Sindipeças?
Dan Ioschpe – Desde 2007 faço parte do conselho do Sindipeças e, nos últimos anos, fui responsável pela área de economia da entidade. Portanto, embora tenha sido eleito e assumido a presidência este ano, faço parte do grupo que dirige a entidade há bastante tempo. É uma transição natural.
NV – Durante mais de 20 anos o Sindipeças foi comandado por Paulo Butori que, certamente, deixou sua marca à frente da entidade. Na sua visão, qual foi essa marca e o que muda na nova gestão?
DI – Paulo Butori fez excelente trabalho e continua conosco. Sua experiência é valiosa para o Sindipeças. Durante sua administração, a indústria de autopeças enfrentou grandes transformações, como a intensificação da entrada de capital estrangeiro no setor e a vinda de muitas montadoras para o País. Não vemos mudanças significativas nesta nova gestão. Trata-se da continuidade dos trabalhos e pautas que já estavam em curso.
NV – Uma das críticas feitas ao governo federal nos últimos anos é um certo descaso com os fabricantes nacionais, o que teria contribuído para um processo de desindustrialização no Brasil. Esse processo de fato existe? Quais suas causas e como evitar o sucateamento de nosso parque industrial?
DI – O setor de autopeças vive provavelmente a pior crise de sua história, com recorde de empresas em recuperação judicial. O retrocesso da participação da indústria no PIB nacional é um problema amplo, relacionado à falta de competitividade, na maior parte das vezes relacionada a fatores fora do controle das empresas e do setor, como, por exemplo, câmbio demasiadamente apreciado e falta de infraestrutura. Precisamos seguir trabalhando em prol de medidas que aumentem a competitividade do setor, seu adensamento e a sua integração internacional.
NV – Quais têm sido, na prática, os efeitos do Inovar-Auto para as indústrias de autopeças brasileiras? O Sindipeças tem propostas para ampliar a participação dos produtos brasileiros na linha de montagem dos veículos? Qual é a expectativa do setor em relação à continuidade do programa e seus eventuais aprimoramentos?
DI – O Inovar-Auto foi criado com a finalidade de estimular a produção local de veículos. Essa medida, de certa forma, seria também positiva para o setor de autopeças, mas não foi o que de fato aconteceu. Faltaram iniciativas para o adensamento do setor no Brasil e para ganho de competitividade. Nossas atenções voltam-se agora para o programa que deverá suceder o Inovar-Auto. Queremos que esse programa tenha horizonte mais longo e que contemple iniciativas voltadas ao desenvolvimento e à industrialização de autopeças no Brasil, sempre considerando a melhoria das condições competitivas.
NV – O que é preciso fazer para que a indústria brasileira se torne mais competitiva?
DI – Ao mesmo tempo em que é necessária maior competitividade para conquistar a internacionalização, a própria internacionalização estimula a competitividade. Mas esse movimento não se limita às empresas. O problema abrange infraestrutura, tributação, custos financeiros, regras trabalhistas, ausência de tratados internacionais, entre outros.
NV – A rápida evolução tecnológica dos veículos, que se tornam cada vez mais complexos, e a própria globalização podem fazer com que o Brasil perca espaço como polo de pesquisa e desenvolvimento no setor de autopeças e sistemas automotivos? Qual é a situação hoje? Existe o risco de que as demandas que envolvem novas tecnologias venham a ser supridas por uma parcela maior de produtos importados?
DI – Ganhar ou perder terreno será determinado por nossa competitividade, como mencionado anteriormente. Por isso temos trabalhado em prol de agenda que enfrente a questão. Como de fato já perdemos terreno, é fundamental que possamos incentivar a realização dessas atividades no Brasil, por meio de programas específicos, especialmente para setores de rápido crescimento, como a eletrônica automotiva.
NV – Como a indústria de autopeças vem lidando com a crise? Que leitura o Sindipeças já consegue fazer das expectativas trazidas pela possível mudança definitiva de governo?
DI – A crise, como já expressei, é provavelmente a mais profunda enfrentada por nosso setor. Mas a indústria de autopeças está ativa e não jogou a toalha.
NV – Em relação aos investimentos no setor, qual foi o impacto da crise? Quais são as perspectivas para retomada de investimentos no Brasil?
DI – Embora com sucessivas quedas desde 2014, os investimentos não foram abandonados. Isso é louvável num momento tão difícil. As projeções do Sindipeças indicam investimentos da ordem de US$ 415 milhões este ano.
NV – Historicamente as montadoras de veículos sempre tiveram forte representação na defesa de seus interesses junto ao Legislativo e ao Executivo. Estes interesses não necessariamente são os mesmos dos fabricantes nacionais de componentes automotivos. Qual é a força hoje das indústrias de autopeças na defesa de seus interesses legítimos e como ela pode ser ampliada?
DI – É natural que haja divergências ao longo do tempo, mas em linhas gerais nos vemos alinhados na defesa dos interesses do setor automotivo.
NV – A queda na venda de carros 0 km acaba resultando em expansão de negócios no mercado de reposição. Qual é sua visão pessoal em relação ao aftermarket? O que o Sindipeças pode fazer para estar ainda mais próximo deste mercado?
DI – A reposição é um mercado muito importante para o setor de autopeças, cuja participação percentual no faturamento total tem aumentado. Este ano, deve representar cerca de 22%. O Sindipeças tem forte atuação nesse segmento, promovendo integração do setor, conhecimento, eventos e aproximação com outros mercados ao redor do mundo.
NV – Uma das principais demandas do mercado de reposição é a inspeção técnica veicular. O programa, inclusive, está previsto no Código de Trânsito Brasileiro, mas não sai do papel. De que maneira o Sindipeças pode contribuir com o avanço destas discussões?
DI – A inspeção técnica veicular é muito importante e temos defendido sua implantação nacionalmente. Isso traria enormes benefícios na redução de acidentes, proteção do meio ambiente, entre outros.
NV – São Paulo, por meio de lei, regulamentou o desmonte de veículos. Há também uma lei federal sobre o tema, que, no entanto, parece estar encontrando dificuldades para implantação. Qual é sua opinião sobre essa regulamentação e que impactos a venda de peças usadas controladas pela lei pode ter no mercado de reposição e para a própria indústria?
DI – O reaproveitamento de peças oriundas de desmanches é um problema grave. Em linhas gerais, o reaproveitamento de uma autopeça requer a sua inspeção e provável remanufatura pelo fabricante original. Sem isso, os riscos à vida humana e ao meio ambiente são enormes.
NV – Entre todas as demandas do setor industrial de autopeças, qual será a principal bandeira de sua gestão?
DI – A melhoria da competitividade do setor e a sua integração ao mundo resumem as nossas demandas. Se formos bem-sucedidos, promoveremos ao longo do tempo o crescimento do setor e o seu adensamento no Brasil.
O setor de autopeças vive provavelmente a pior crise de sua história, com recorde de empresas em recuperação judicial
Nossas atenções voltam-se agora para o programa que deverá suceder o Inovar-Auto. Queremos que esse programa tenha horizonte mais longo
A reposição é um mercado muito importante para o setor de autopeças, cuja participação percentual no faturamento total tem aumentado