Expansão territorial de montadoras desafia concentração das indústrias de autopeças no Sul e Sudeste do Brasil -

Expansão territorial de montadoras desafia concentração das indústrias de autopeças no Sul e Sudeste do Brasil

Cenário foi alvo de queixas recentes por parte da Stellantis, hoje única montadora presente na região Nordeste
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Lucas Torres jornalismo@novomeio.com.br

Embora tenha as montadoras como protagonistas, a cadeia de produção de veículos possui uma estrutura complexa que envolve uma série de players fundamentais no processo. Não por acaso, informações do Dieese apontam que o fechamento da fábrica da Ford em Camaçari (BA), em 2021, deixou cerca de 40 mil trabalhadores desempregados, número 10 vezes maior do que os 4 mil que eram funcionários diretos da companhia na ocasião. Entre essas empresas que orbitam ao redor das montadoras estão os sistemistas e as fabricantes de autopeças, grupo que foi alvo de declaração importante do presidente da Stellantis no Brasil, Antonio Filosa, nas últimas semanas.

O executivo lamentou a carência de fornecedores de componentes no Nordeste, onde a companhia produz cerca de 280 mil unidades anuais na cidade pernambucana de Goia – na – e falou sobre suas esperanças de que a chegada da chinesa BYD incentive um retorno de parte do grupo de ‘empresas satélites’ que deixaram a região após a saída da Ford. Ao comentar a declaração com exclusividade para a reportagem do NovoVarejo Automotivo, o vice-presidente Sênior de Compras & Supply Chain da Stellantis para a América do Sul, Juliano Almeida, destacou que contar com um parque de fornecedores nas proximidades das fábricas traz benefícios em múltiplas frentes e transcende até mesmo os interesses da própria montadora. “A consolidação de uma cadeia de fornecedores próxima às unidades da Stellantis é decisiva para o fortalecimento do processo de industrialização, com ganhos imediatos em produtividade e logística. A proximidade também garante ganhos expressivos em qualidade, visto que permite uma interação rápida e diária, possibilitando tomadas de decisões ágeis e eficazes”, enumerou Almeida, antes de complementar a partir de uma perspectiva mais macro: “Além disto, a regionalização e a localização de grandes parques industriais como os que temos na América do Sul alavancam iniciativas sociais e econômicas nas regiões de impacto, contribuindo para o desenvolvimento dos mercados locais e para o crescimento econômico”

Entenda o modelo ‘Just in Time’, aplicado na produção de todas as montadoras que operam no Brasil, e sua relação com a regionalização da cadeia de fornecedores

Para compreender de maneira mais aprofundada as preocupações da Stellantis com a escassez de fornecedores na região Nordeste, é fundamental que se compreenda o funcionamento do ‘just in time’, processo utilizado por todas as montadoras que operam no Brasil atualmente. Nas palavras do head de operações de automobility da DHL Supply Chain, Daniel Tavares, este modelo se caracteriza por ser um processo de administração da produção industrial em que peças e outros itens são produzidos conforme a demanda, sendo, portanto, diferente da visão mais tradicional de produzir primeiro e depois tentar vender. “Essa abordagem proporciona uma grande otimização, pois reduz muito desperdícios, a necessidade de gerar e administrar estoques, reduzindo também a imobilização de capital.

Exemplificando, na indústria automobilística, as indústrias de autopeças só produzem mediante o pedido prévio das montadoras, tendo em vista a quantidade que efetivamente será usada na linha de montagem dos carros”, explicou Tavares. Por tudo isso, o executivo de uma das principais fornecedoras de contratos logísticos do mundo classifica a proximidade junto aos fornecedores como fundamental para a melhor performance do modelo, afinal, ela facilita a execução do plano de produção, bem como reduz muito os custos com transporte e armazenagem em pontos intermediários. “Maior proximidade traz maior eficiência no transporte, agiliza entregas e reduz riscos de disrupção na cadeia. Uma distância maior implica em um planejamento logístico mais complexo e, de forma geral, mais oneroso. Há uma exposição maior a riscos como problemas nas estradas (acidentes e até questões patrimoniais) e a necessidade de ter pontos intermediários de armazenagem e consolidação de carga”, finalizou o head da DHL Supply Chain.

BYD investirá 3 bi em produção em Camaçari e vê Salvador como Vale do Silício

Após a confirmação de que a chinesa BYD vai assumir a antiga planta da Ford na cidade de Camaçari, na Bahia, a fabricante de veículos eletrificados anunciou que pretende operar três fábricas ao mesmo tempo no complexo que fica a 50 quilômetros de Salvador, a capital do estado. Com investimento de R$ 3 bilhões, o complexo será composto por três células fabris. Uma dedicada à produção de chassis para ônibus e caminhões elétricos. A outra vai produzir automóveis híbridos e elétricos, com capacidade estimada em 150 mil unidades ao ano na primeira fase, podendo chegar a 300 mil unidades. A terceira, voltada ao processamento de lítio e ferro fosfato, atenderá ao mercado externo, utilizando-se da estrutura portuária existente no local. Inicialmente, a previsão era de que os trabalhos fossem inaugurados no segundo semestre do ano que vem. No entanto, recentemente a BYD anunciou adiamento para 2025. Em sintonia com a expectativa do executivo da Stellantis, a marca chinesa entende que o novo complexo será mesmo um polo de atração de fornecedores de diversos tipos, seja na área de peças técnicas ou de serviços. A companhia informa, no entanto, que pretende contribuir para o desenvolvimento regional, dando prioridade a fornecedores locais. Além do investimento de R$ 3 bilhões destinados à modernização do complexo fabril em Camaçari (BA), a BYD revelou a intenção de criar um centro de pesquisa e desenvolvimento em Salvador (BA), como parte do projeto iniciado no estado baiano. Um dos principais objetivos do time P&D brasileiro será desenvolver tecnologia de um motor híbrido flex, visando o uso o etanol conjugado com a propulsão elétrica. “Nós vamos trazer nosso time de experts engenharia para o Brasil porque entendendo que o etanol também é um combustível de energia limpa, pesquisaremos e desenvolveremos modelos híbridos flex. Então esse é o anúncio que temos a fazer: criaremos um centro de pesquisa e desenvolvimento em Salvador para avançar com essa tecnologia trazendo o know-how e treinamentos para transformar também a capital baiana no Vale do Silício brasileiro”, ressaltou o CEO da empresa no Brasil, Tyler Li.

Presidente do Sindipeças classifica concentração como fruto natural da configuração da cadeia automobilística do país

Uma andorinha só não faz verão. Um dos ditados populares mais famosos da cultura brasileira traduz em poucas palavras a opinião do presidente do Sindipeças, Cláudio Sahad, sobre os fatores que motivam a alta concentração de fabricantes de autopeças nas regiões Sul e Sudeste do país. Sem negar o cenário exposto pela Stellantis, mas alegando desconhecer qualquer tipo de ‘desabastecimento razoável’, o dirigente da entidade que representa mais de quinhentos associados da indústria de componentes para veículos automotores atuantes em território brasileiro apontou que o que se vê por aqui é também observado em outros países: a demanda é que define onde os fornecedores irão se instalar.

NVA – Você considera que o parque de fabricantes de autopeças brasileiro está muito concentrado em determinadas ­regiões do país?

Cláudio Sahad – Tradicionalmente, como ocorre em outros países, os fabricantes de autopeças acompanham as montadoras. Há algumas décadas, a concentração de fabricantes de autopeças no estado de São Paulo, por exemplo, era bem maior do que é hoje. Temos associados em vários outros estados brasileiros, mas não podemos negar que a maior concentração está nas regiões Sudeste e Sul, onde se encontra instalada a maior parte das montadoras.

NVA – O Sindipeças recebe feedbacks de montadoras já fixadas em regiões mais ‘desabastecidas’ neste sentido?

Cláudio Sahad – Acreditamos que o desabastecimento não existe. O fornecedor de autopeças segue seus clientes na medida da necessidade, ou seja, quando os volumes justificam a instalação de uma unidade fabril perto da montadora, ali se instalará o fornecedor de autopeças. O Sindipeças é uma entidade nacional, com associados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Goiás e Amazonas, ou seja, em todas as regiões do país.

NVA – Em sua visão, um cenário de pouca capilaridade em diferentes regiões do país prejudica o mercado de alguma maneira – seja no âmbito das montadoras ou do aftermarket?

Cláudio Sahad – No que diz respeito ao fornecimento para montadoras, destaco novamente, a capilaridade se dá na medida da necessidade dos fabricantes de veículos. Quanto à reposição, o modelo geral da cadeia de distribuição é o seguinte: fabricantes, distribuidores (Andap), comércio varejista (Sincopeças) e aplicadores (Sindirepa). Não temos informações de gargalos conhecidos por parte de nossos associados.

Onde estão as fábricas das montadoras no Brasil

Atualmente o Brasil conta com 19 montadoras de carros em operação – empresas essas que, somadas, possuem 65 fábricas em 10 estados da federação, o que resulta numa capacidade instalada de 4,5 milhões de automóveis por ano e cerca de 5,5 mil concessionárias.

Como apontado por Claudio Sahad, a grande maioria das fábricas está concentrada no Sudeste, enquanto que o Nordeste tem na fábrica da Stellantis, em Pernambuco, seu único representante por enquanto – a região deve abrigar a futura linha de montagem da BYD.

Confira a seguir os detalhes desta configuração:

No Estado de São Paulo, cidades como Mogi das Cruzes, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Jacareí, São Carlos, São José dos Campos, Indaiatuba, Sorocaba, Sumaré, Iracemápolis, Itirapina, Piracicaba, Porto Feliz e Taubaté recebem montadoras como GM, Mercedes-Benz, Volkswagen, Scania, Toyota, Chery, Honda e Hyundai.

– No Rio de Janeiro, os municípios de Itatiaia, Porto Real e Resende abrigam a Land Rover, a Stellantis (Citroën e Peugeot), MAN e Nissan.

Ainda no sudeste, em Minas Gerais, as cidades de Betim e Sete Lagoas figuram como casa das montadoras Fiat e Iveco.

Ao sul, no Paraná, a capital Curitiba abriga a Volvo, enquanto Ponta Grossa dá casa à DAF – enquanto São José dos Pinhais acumula Renault, Volkswagen e Audi em seu território.

No estado do Rio Grande do Sul, apenas Gravataí conta com uma montadora, a GM.

Araquari e Joinville são os municípios de Santa Catarina a entrarem no grande mapa das montadoras de carro no Brasil com BMW e GM.

Como dissemos anteriormente, o Nordeste tem na cidade de Goiana, em Pernambuco, sua única fábrica de montagem de veículos, com a Stellantis.

Goiás, único estado do Centro-Oeste a figurar no parque fabril da indústria automotiva nacional, tem nas cidades de Anápolis e Catalão as montadoras Caoa, Mitsubishi e Suzuki.

A região Norte, por sua vez, é a única a não contar com nenhuma fábrica de automóveis na atualidade – por outro lado, Manaus (AM) é a capital brasileira das motos, respondendo por 98% da produção nacional.


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