Em meados de junho de 2016, o recém empossado governo brasileiro de Michel Temer sinalizou adotar uma postura mais ativa em relação ao comércio exterior, sobretudo na promoção de acordos bilaterais com seus mais tradicionais parceiros.
Uma das primeiras atitudes práticas dessa nova postura foi a retomada da proposição de um acordo de livre-comércio automotivo com a vizinha Argentina – sinalizado em fevereiro do ano passado, ainda no Governo Dilma – país cujo presidente eleito, Maurício Macri, adota um discurso semelhante ao do novo governo brasileiro: menos protecionismo e maior engajamento global nas relações comerciais.
O cenário para a ampliação das relações comerciais entre os irmãos latinos parecia ideal e ambas as diplomacias alinhavaram o acordo de livre-comércio para o ano de 2020. A distância entre discurso e prática, no entanto, representa uma grande pedra no meio do caminho desse planejamento arquitetado.
Em atitude que contrariou todas as bases do discurso liberal adotado desde a campanha presidencial no ano de 2015, Macri e equipe acrescentaram – em dezembro passado – novas travas a importações de produtos provenientes do Brasil ao adicionar dezenas de produtos à lista chamada ‘licença não-automática’.
Na prática, os produtos acrescentados a essa relação passam a contar com a exigência de uma autorização do governo para a entrada em território argentino, autorização essa que, em alguns casos, leva até 60 dias para ser deliberada, algo que prejudica automaticamente as relações comerciais entre os agentes do negócio.
Everton Carneiro, da RC Consultores
De acordo com Everton Carneiro, consultor da RC Consultores de São Paulo, o bloqueio empregado tem relação direta com a desvalorização do câmbio do país vizinho, seus altos índices de inflação e o constante encolhimento de sua economia – previsto para 2% em 2017 – e a baixa reserva internacional do país que conta com apenas US$ 32 bilhões (para efeito de comparação o Brasil tem US$ 370 bilhões).
Em relação aos impactos da medida – que, na prática representa um bloqueio às importações e contradiz o discurso anti-Kirchner adotado pela Casa Rosada – o economista afirma que dois setores específicos da economia nacional serão os mais prejudicados: o têxtil e o de peças para veículos, ambos segmentos que importam especificamente para os argentinos e têm seus mercados reduzidos para outros países.
No que tange o setor de autopeças, Carneiro avalia que o bloqueio sinaliza ainda para uma quebra antecipada no alinhamento de livre-comércio automotivo entre os dois países.
“Este travamento recente, com as licenças não-automáticas, é um empecilho para as importações. Nesse cenário, é improvável que a Argentina possa fazer o exato oposto em outro acordo. Caso um acordo de livre-comércio automotivo fosse realizado entre Brasil e Argentina, a Argentina provavelmente seria deficitária, pois importaria mais do que exportaria”, introduz. “Se quiser chegar a algum acordo nessa área, o Brasil terá de ceder algo em troca, ou esperar para barganhar em uma situação mais favorável. Neste momento, e em um futuro próximo, é improvável que o acordo beneficie a Argentina neste cenário delicado da economia”, finaliza o especialista.
Histórico
Brasil e Argentina possuem um acordo automotivo em vigência denominado ‘sistema flex’. O mecanismo, renovado recentemente até o ano de 2020, prevê que para cada US$ 1 vendido pela Argentina ao Brasil em autopeças e veículos, as montadoras brasileiras poderão exportar ao país vizinho US$ 1,5 com isenção do imposto local de importação.
Acima disso, os veículos brasileiros pagam tarifas de 35% para entrar no mercado argentino. Os veículos precisarão ter pelo menos 60% das peças e dos componentes fabricados no Mercosul.
No dia 15 de julho de 2016, entretanto, foi aprovada pelo Senado argentino a lei que oferece incentivos fiscais às montadoras que derem preferência à compra de autopeças locais, medida que à época ligou o sinal de alerta no setor de autopeças brasileiro – ao passo que altera um padrão histórico na dinâmica do setor hermano, sempre notabilizado por garantir uma larga participação das peças brasileiras.
Tal lei prevê redução de impostos federais nos veículos fabricados com pelo menos 30% de componentes produzidos no país. Nesse caso o crédito será de 4%. Mas pode chegar a 15% se o conteúdo local alcançar 50%.
Essa conjuntura é vista como estímulo para a indústria automobilística da Argentina passar a redirecionar para ao fornecedor local encomendas costumeiramente feitas a fabricantes de peças do Brasil.
Vale lembrar que o território argentino é principal destino das exportações de autopeças brasileiras, sendo responsável por 32,6% do total no ano de 2015. Confira gráfico abaixo.