Economista Jason Vieira aponta para a urgência do equilíbrio das contas públicas e comenta situação das micro e pequenas empresas
Embora eleitos pela mesma chapa em 2014, Dilma Rousseff e Michel Temer têm visões quase antagônicas de governo – sobretudo no aspecto econômico. É grande a expectativa entre a classe empresarial de que sejam adotadas medidas efetivas para estancar a recessão e criar bases que permitam, em algum momento, a retomada do crescimento. A sociedade brasileira não tolera mais desmandos e incertezas.
O momento é de discutir o Brasil e falar de macro conjuntura. Por isso, a reportagem do Novo Varejo convidou o economista chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, para uma análise acerca dos erros da gestão anterior, bem como – e principalmente – para uma projeção das medidas a serem adotadas pela equipe agora comandada por Henrique Meirelles, novo Ministro da Fazenda.
Na entrevista, Vieira salienta que medidas impopulares, como a adoção de tributos temporários, podem ser necessárias em um primeiro momento para cobrir o rombo deixado pela gestão anterior. E afirma que programas sociais e direitos garantidos pela Constituição brasileira não devem sofrer cortes. Pelo contrário, entende que tais gastos devem ser ampliados por meio de um direcionamento mais eficiente dos recursos federais.
Novo Varejo – A simples sinalização de que a presidente seria afastada já provocou uma espécie de “movimento positivo” em indicadores econômicos. Agora, quais devem ser as primeiras atitudes de Michel Temer para manter esse clima favorável no mercado?
Jason Vieira – Temer deve aproveitar o bom momento que vive junto ao Congresso para tentar passar as medidas mais polêmicas, principalmente aquelas ligadas ao ajuste fiscal e, efetivamente, à Previdência Social, dois pontos fulcrais no atual momento.
NV – Existe um rombo nas contas públicas e é necessário que o governo aumente sua arrecadação o mais rápido possível. Como fazê-lo sem desestimular o consumo e dificultar ainda mais a situação do empresariado em relação à carga tributária?
JV – O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já deixou claro que o atual cenário tributário é incompatível com um país em desenvolvimento, ou seja, acima do desejável. Entretanto, a necessidade de um tributo de curto prazo pode ocorrer dependendo do rombo deixado pelo governo anterior. Isto deverá ser discutido com muita razão com a sociedade, pois depende exatamente do tamanho do rombo.
NV – Como costurar as reformas mais urgentes num cenário de instabilidade institucional?
JV – A reforma fiscal e a da Previdência são as mais urgentes. Todavia, a reforma tributária é sem dúvida premente para avançar a um contexto de competitividade do país. Novamente, o presidente Temer deve aproveitar o bom momento em que vive com o Congresso e deixar claro que sem as reformas, todo esforço de mudança de governo foi em vão e pode regredir a algo pior.
NV – Como fazer voltar a girar a roda do consumo?
JV – O cenário ainda não permite, mas existe a possibilidade de corte de juros num futuro próximo, inclusive como parte do ajuste fiscal. Todavia, a matriz de custos brasileira continua muito elevada e o consumo no Brasil ainda é intensivo em crédito. A melhora da competitividade das empresas e a oferta de produtos com custos mais atraentes devem entrar na conta, algo que deve partir também da indústria.
NV – E quanto à indústria? O setor vem sofrendo há anos e enfrenta dificuldades para se modernizar. Como reavivar o parque industrial do país?
JV – Entre as principais medidas necessárias à indústria nacional está a reforma tributária, principalmente de modo a racionalizar a cobrança de impostos e reduzir a matriz de custos. Porém, a indústria local deve reduzir ao máximo sua dependência do governo e de programas de estímulo. Ainda existe uma capacidade ociosa a se cumprir antes de renovação do parque industrial, mas a indústria necessita também rever sua lucratividade e efetivamente buscar os ganhos por escala, ou seja, vender mais com preços mais baixos.
NV – Como equilibrar os gastos de programas sociais com a saúde das contas públicas?
JV – Os gastos sociais são incrivelmente baixos em relação ao “todo” do governo, principalmente em relação aos enormes gastos correntes que devem ser atacados pelo atual governo. O equilíbrio deve ocorrer nos programas sociais e em frentes como segurança, saúde e educação através do melhor direcionamento dos gastos e, eventualmente, até na sua elevação, mesmo em um cenário de contenção.
NV – Quais devem ser as principais diferenças entre o tom da política econômica de Henrique Meirelles em relação ao que praticava Nelson Barbosa?
JV – A diferença entre Barbosa e Meirelles é quanto ao viés. Barbosa acreditava no estímulo econômico sem grandes preocupações com a questão fiscal, a qual se “resolveria” assim que a economia se ajustasse. Meirelles possui uma visão mais ortodoxa e correta, buscando a correção das distorções dos gastos do governo, abrindo espaço para liberar o cenário econômico para a contenção da inflação e futuro estímulo à economia via instrumentos tradicionais e notoriamente mais eficientes.
NV – Nesse momento é praticamente impossível falar em retomada do crescimento. Falemos, portanto, de estabilização. Quais são os pontos necessários para voltar a dar estabilidade para a economia brasileira e reconquistar a confiança dos investidores?
JV – O primeiro passo foi dado com o impeachment – parte dos investidores já começa a observar o Brasil com melhores olhos. O momento seguinte deve ser de apoio às reformas, principalmente advindas do Ministério da Fazenda.
NV – Reportagem publicada recentemente pelo Wall Street Journal abordou a desaceleração do comércio mundial pela ótica da diminuição do fluxo de principais portos do mundo, como Xangai e Hamburgo. Até que ponto a crise que atravessamos tem relação com o cenário global? A desaceleração da China e a instabilidade europeia são elementos chave para o momento que vivemos?
JV – O problema na China supera a questão da desaceleração e se concentra muito mais na alavancagem do crédito entre instituições financeiras, empresas e setor imobiliário, o que pode trazer o maior risco atual na estabilidade econômica no mundo. Os últimos indicadores na China se mostraram mais fracos, porém é difícil comparar o cenário anterior de crescimento chinês com 10% ao ano, quando a mesma era a 10ª economia do mundo, com o de 6%, com a China sendo a 2ª economia do globo. Por isso a questão de desaceleração pode ter um nível de atenção indevido, quando comparada ao problema do crédito.
NV – Outro efeito da crise foi a retração drástica na oferta de crédito. Quais as perspectivas de retomar linhas tanto para o consumo quanto para o investimento nas empresas?
JV – A ausência dos bancos estatais no futuro cenário de crédito deve estimular a oferta de bancos privados, mas somente quando as taxas básicas derem sinais mais concretos de queda e quando o contexto de utilização dos estoques de caixa ainda presente nas empresas se esgotarem. Portanto, mudanças devem ocorrer em ao menos quatro trimestres.
NV – Quais os principais erros cometidos no governo Dilma que não podem se repetir na gestão Temer?
JV – O desleixo com a questão fiscal, a contaminação ideológica das reformas econômicas e a interferência na condução da economia de setores que nada agregam.
NV – Até que ponto a mudança de governo vai impactar nos índices de confiança do consumidor e de que maneira uma eventual melhora no estado de espírito da sociedade pode resultar em efeitos práticos e positivos para a economia?
JV – Os efeitos já se mostravam antes do impeachment. Em uma pesquisa recente por nós conduzida, empresários de diversos setores diziam possuir estoque financeiro para giro, mas somente o utilizariam em caso de reversão do cenário político e de reformas, conforme o que vem ocorrendo neste momento. Este mesmo contexto ocorre com os consumidores. Quem está empregado, começa a reduzir o temor do desemprego e consegue retornar ao consumo com maior segurança do que anteriormente.
NV – Qual a sua recomendação para os micro e pequenos empresários que muitas vezes ainda realizam uma gestão familiar de seus comércios e hoje sofrem com queda nas vendas e aumento na inadimplência?
JV – Primeiro ponto, buscar entidades para profissionalizar sua gestão, não importa o tamanho. E, no curtíssimo prazo, manter os custos no patamar mínimo possível. O restante, a própria economia dará conta de resolver com a melhora na demanda. O passo seguinte, num momento de retomada, é utilizar a atual experiência como uma grande lição e manter a gestão profissional de suas empresas, investindo inclusive em marketing e propaganda.