Necessária para mitigar problemas do varejo, NR-1 pode ser dor de cabeça para empresas no curto prazo -

Necessária para mitigar problemas do varejo, NR-1 pode ser dor de cabeça para empresas no curto prazo

Dono do título preocupante de ‘campeão da vulnerabilidade psicossocial’, setor carece de estrutura para implementar melhorias exigidas pela nova norma

A partir de maio de 2025, entra em vigor uma atualização que promete mudar a forma como as empresas encaram os riscos ocupacionais. A nova Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), revisada pela Portaria nº 1.419 do Ministério do Trabalho, amplia o escopo do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) para incluir os riscos psicossociais, fator até então ignorado pela legislação.

A mudança vem na esteira de uma crise que já tem tido impacto direto na rotina de empresas e trabalhadores brasileiros. Dados exclusivos do Ministério da Previdência Social revelam que, em 2024, o Brasil registrou 472.328 afastamentos por transtornos mentais — o maior número em pelo menos uma década. O salto em relação a 2023 foi de impressionantes 68%, refletindo não apenas o agravamento do cenário pós-pandemia, mas também a crescente pressão do ambiente de trabalho sobre a saúde emocional dos colaboradores.

Do total de 3,5 milhões de pedidos de licença registrados pelo INSS ao longo de 2024, quase meio milhão teve como motivação problemas psicológicos ou psiquiátricos. O benefício por incapacidade temporária — concedido a quem precisa se afastar por mais de 15 dias — exige perícia médica e comprovação clínica do diagnóstico. Embora transtornos como a síndrome de burnout tenham registrado apenas 4 mil afastamentos oficiais, especialistas apontam que a subnotificação e a dificuldade no diagnóstico mascaram a real dimensão do problema.

Em meio esse cenário, a atualização da NR-1 transforma a saúde mental em item fiscalizável dentro das empresas, prevendo inclusive aplicação de multas em caso de descumprimento. A norma exige que os empregadores passem a mapear, controlar e mitigar fatores de risco como metas abusivas, jornadas extensas, assédio moral, conflitos interpessoais e ausência de autonomia.

No papel, trata-se de um avanço regulatório. Mas, na prática, o impacto e as exigências podem ser desiguais para alguns setores como o varejo  — detentor do título ingrato de líder do ranking de sofrimento mental entre os trabalhadores, segundo dados recentes de pesquisa divulgada pela Alper Seguros.

Entre a necessidade e as dificuldades de adaptação

O alerta sobre a saúde mental no varejo ganhou força nos últimos dias quando o levantamento que utilizou o protocolo SRQ-20, da Organização Mundial da Saúde, avaliou os sinais de sofrimento psicológico em diferentes segmentos da economia no Brasil.

A pesquisa foi aplicada por meio do programa Trilha da Mente e considerou três faixas de risco: mentalmente saudável (até 3 pontos), ponto de atenção (4 a 6 pontos) e sofrimento mental (7 pontos ou mais). Casos com ideação suicida foram tratados como de alto risco, independentemente da pontuação total.

Dentre todos os setores avaliados, o varejista foi o que apresentou os dados mais alarmantes: 31% dos trabalhadores estão em alto risco, 46% sofrem de algum nível de transtorno mental, e apenas 17% são considerados saudáveis. A pontuação média do setor foi de 9,2, quase o dobro da média geral entre todos os setores analisados.

“Fatores como alta pressão por resultados, longas jornadas, instabilidade econômica do setor e baixo suporte organizacional estão diretamente relacionados a esse quadro”, avalia a diretora de Gestão de Riscos e Saúde da Alper Seguros, Paula Gallo.

Veja a condição dos colaboradores de cada setor investigado

Verde – Mentalmente saudável
Amarelo – Ponto de atenção para saúde mental
Vermelho – Possivelmente há sofrimento psicológico
Preto – Risco contra a vida

A pesquisa também identificou uma frágil adesão às ferramentas de cuidado emocional. Mesmo com oferta de intervenções terapêuticas e materiais psicoeducativos, o varejo demonstra resistência estrutural — seja pela cultura empresarial ou pelas condições de trabalho no dia a dia.

Mesmo diante dessa necessidade evidente, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) solicitou ao Ministério do Trabalho uma prorrogação de 12 meses para a entrada em vigor das novas exigências da NR-1.

Isso porque, segundo a entidade, a implementação em curto prazo traz um risco especial paras pequenas e médias empresas (PMEs), grupo que, segundo a entidade paulista, formam a espinha dorsal do comércio no país – já que respondem por cerca de 70% da mão de obra formal do Brasil e são responsáveis por mais de 1 milhão de empregos celetistas gerados por ano.

Segundo a FecomercioSP, o risco advém do fato de que as PMEs não têm estrutura técnica nem recursos financeiros suficientes para realizar um gerenciamento dos riscos psicossociais conforme exigido pela norma. “A dificuldade começa na própria identificação desses riscos, que envolvem conceitos subjetivos e, muitas vezes, não estão diretamente vinculados a uma única atividade profissional”, afirma a entidade.

Além disso, a federação aponta que a necessidade de contratar profissionais habilitados para elaborar planos estruturados e conduzir diagnósticos organizacionais implica em custos inéditos — potencialmente inviáveis — para negócios que já operam sob forte pressão de margens e com baixa previsibilidade econômica.

Assim, ela defende que o adiamento não seja encarado como resistência à mudança, mas sim como uma garantia de que a norma será implementada de forma consistente e com resultados efetivos. “Impor uma regra que poucas empresas têm condições reais de cumprir poderá gerar uma corrida improvisada, com impacto negativo tanto para os empregadores quanto para os trabalhadores” destaca a FecomercioSP.

Norma Regulamentadora nº 1

Exige que os empregadores passem a mapear, controlar e mitigar fatores de risco como:

  • Metas abusivas
  • Jornadas extensas
  • Assédio moral
  • Conflitos interpessoais
  • Ausência de autonomia

IA e varejo: entre a promessa de solução e a dificuldade de adoção

Com o setor sob pressão e as equipes no limite, uma possível aliada começa a ganhar espaço na agenda das empresas: a inteligência artificial. Segundo o relatório Hype Cycle for the Future of Work 2024, da consultoria Gartner, a IA será um dos pilares para a transformação do ambiente de trabalho nos próximos anos, com foco em produtividade, experiência do colaborador e bem-estar.

A previsão é que até 2028, 45% das empresas com mais de 500 colaboradores utilizem avatares de IA para ampliar sua capacidade operacional, enquanto as iniciativas de ‘trabalhador conectado aumentado’ se consolidam como a principal inovação no horizonte. A proposta é clara: disponibilizar conhecimento contextualizado, escalar fluxos de trabalho e reduzir o tempo de adaptação do colaborador com base em interfaces inteligentes.

Apesar do potencial, o estudo alerta que apenas 14% das empresas têm maturidade digital suficiente para adotar essas soluções de forma eficiente e que o varejo é um dos setores em que essa lacuna mais se evidencia.

Em confluência com o estudo, o especialista em vendas e fundador do Grupo Mola, Gustavo Malavota, afirma que essa transformação digital do trabalho no ambiente varejista esbarra em dois obstáculos principais: mão de obra despreparada e resistência cultural. “Mesmo ferramentas simples como CRMs ou plataformas de atendimento por chat geram ruído entre os vendedores mais experientes, que muitas vezes preferem manter os métodos tradicionais”, lamenta Malavota.

Neste contexto, o especialista relata que há uma procrastinação generalizada em adotar novas tecnologias, não apenas por falta de domínio técnico, mas porque muitos profissionais já obtiveram resultados com o modelo antigo e não se veem motivados a romper com o que conhecem. Além disso, ele destaca que a própria tecnologia da IA, quando aplicada ao atendimento, ainda tem limitações como respostas robotizadas, erros de contexto e pouca fluidez nas interações com os clientes.

Ressalvas à parte, Malavota aponta que nas empresas que já conseguiram estruturar processos digitais sólidos, a IA começa a mostrar valor — especialmente em canais como WhatsApp e SAC automatizado.

“O desafio é garantir que a tecnologia se integre à rotina dos colaboradores sem criar ainda mais frustração do que a existente no cenário atual”, conclui.

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