Para Maria Teresa Somma, varejista deve estar atento às oportunidades de mercado, como, por exemplo, abrir uma loja virtual
Lucas Torres
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A origem da palavra crise vem do grego krisis, termo que era utilizado pelos médicos antigos quando o doente, depois de medicado, entrava em uma fase decisiva que indicava que um desfecho daquela enfermidade estava próximo, favorável ou não.
A etimologia da palavra mais falada do momento é a tônica da entrevista de Maria Teresa Somma, graduada em Gestão de Marketing pela Universidade Cândido Mendes-RJ, autora de cinco livros dedicados a temáticas específicas do varejo, consultora empresarial e, atualmente, coordenadora do curso “Gerenciamento de Crise no Varejo”.
Ao mesmo tempo em que chama a atenção para a necessidade de se fazer uma reflexão sobre o tamanho do negócio visando à redução de custos, a especialista destaca que o momento de crise exige investimentos – sobretudo em capacitação. “Os empresários precisam ter em mente que os valores gastos com treinamentos não são custos”, pontua.
Ela complementa dizendo que novas oportunidades de mercado, como ter um site ou abrir uma loja virtual, não podem ser ignoradas mesmo em momentos de contenção de gastos
Novo Varejo – Recentemente o ex-presidente do Banco Central, Carlos Langoni, afirmou que a recessão brasileira havia acabado em razão do crescimento dos índices de confiança da classe empresarial. No seu convívio diário com varejistas já foi possível identificar essa mudança de humor?
Maria Teresa Somma – Já nota-se uma melhora nesse sentido, mas ainda há certa preocupação, pois o consumo vai aumentar de forma gradativa. Em recente pesquisa de intenção de consumo das famílias, apurada pela Confederação Nacional do Comércio, observou-se a primeira alta em seis meses. No mês de agosto, essa intenção teve um aumento de 0,9% em relação ao mês anterior. Isso é um aspecto muito positivo para o varejo, pois os consumidores já estão com uma predisposição maior para voltar a consumir.
NV – Como o varejista deve se portar para minimizar os efeitos da recessão econômica em seu negócio?
MTS – Os varejistas, buscando minimizar os efeitos da recessão econômica, precisam preliminarmente diminuir drasticamente os custos. A questão que dificulta é o grau de endividamento deles. Muitos, para pagar os custos, foram obrigados a pedir empréstimos e, com os juros elevados, fica difícil sanar essas dívidas. Devem também aumentar o mix de produtos e ter um comprometimento maior com o negócio, não deixando somente na mão de empregados.
NV – O empresariado do setor varejista tem buscado capacitação e profissionalização de forma homogênea ou ainda há disparidade entre grandes, médios e micro empresários?
MTS – Infelizmente ainda há uma resistência muito grande nesse sentido. Em todos os cursos que tenho dado (Gestão de Franquias, de E-commerce e Gerenciamento de Crises) percebo que os empreendedores, quando abriram seus negócios, o fizeram sem conhecimento prévio. Foram vítimas do entusiasmo excessivo e da falsa ideia de que ter um negócio é maravilhoso. Esqueceram que no varejo é necessário trabalhar muito e que nem sempre o lucro é o esperado. Isso acaba fazendo com que, para se manter, passem a usar o dinheiro destinado ao pagamento dos custos fixos e fornecedores e, com isso acabam se endividando. Normalmente, nos meus cursos abertos, a participação é maior de pequenos empresários. Os de médio e grande porte preferem me contratar para cursos in-company. Com a crise, os empresários estão temendo investir em capacitação e profissionalização, mas é um grande erro, pois através dos cursos é possível ter um olhar mais abrangente do negócio, propiciando um entendimento de como tornar um momento de crise em oportunidade.
NV – Como você vê a postura do tradicional varejo familiar nesse momento de exigência por mudanças?
MTS – As empresas familiares sofrem com a falta de uma gestão profissional. Isso porque, na maioria das vezes, o negócio foi aberto há muito tempo, sem preparo por parte do empreendedor e a sucessão dessas empresas é muito problemática, pois os filhos nem sempre têm o perfil empreendedor e não possuem entendimento sobre o negócio. Nas empresas familiares é muito comum o fato de que os sucessores não têm interesse pelo negócio da família e isso pode gerar, além de conflitos, problemas futuros na gestão da empresa. A escolha de um gestor profissional é um passo muito relevante nesse processo. Há uma relutância grande por parte desses empresários a automatizar o negócio. Outra questão importante verificada é que muitas empresas de varejo ainda não têm um site por acharem que não é necessário e esse é um pensamento que impossibilita a abertura de novas oportunidades e aumento das vendas. Uma empresa que não possui site está fora do mercado.
NV – Em um cenário real, no qual qualquer erro estratégico pode custar a saúde do negócio, você aconselha varejistas a se resguardarem em relação a novos investimentos ou ainda é possível ousar?
MTS – É muito importante investir, mas de maneira equilibrada. Em um momento como esse, os investimentos devem ser direcionados à abertura de novas oportunidades de negócios, como um site ou loja virtual. E, repito, capacitação nesse momento específico é imprescindível. Os empresários precisam ter em mente que os valores gastos com treinamentos não são custos e sim investimentos. Outros tipos de investimentos devem ser evitados no momento. A grande questão é que esses investimentos precisam ser feitos com recursos próprios. Fazer dívidas não é uma boa opção, pois os juros são muito altos e com a queda nas vendas, a probabilidade de problemas em médio prazo é muito grande.
NV – Esta edição do Novo Varejo traz uma reportagem sobre os impactos da inadimplência para o varejo. O que pode ser feito para proteger o negócio?
MTS – O tipo de varejo que sofre com esse problema é aquele que trabalha com cheques e carnê, mais comumente encontrados em cidades menores. A maioria dos varejistas já não aceita cheques, o que minimiza o inadimplemento. Quanto aos varejistas que ainda trabalham com cheques e carnês, tenho verificado que estão migrando para financeiras, buscando tirar das lojas o risco de terem prejuízos, sem alterar as opções de pagamento, fidelizando, dessa forma, a clientela.
NV – No curso “Gerenciamento de Crise no Varejo”, a identificação dos riscos e o diagnóstico das ameaças têm atenção especial. Quais são os principais riscos e ameaças no horizonte do varejista nos dias de hoje?
MTS – Atualmente o maior risco é o endividamento. Vejo que muitos varejistas não têm fluxo de caixa e acabam se endividando, o que prejudica muito a manutenção do negócio no mercado. É melhor reduzir o tamanho do negócio do que ficar com dívidas para manter algo inviável. Tenho visto um número imenso de empresas que estavam há muito tempo no mercado com lojas que eram enormes sem necessidade fechando as portas. Podiam ter se mudado há muito tempo e teriam conseguido se manter mesmo num cenário de crise. É preciso que os empreendedores avaliem de forma constante o seu negócio e verifiquem sempre quais mudanças podem ser feitas para minimizar custos e aumentar a receita.
NV – Como o varejista deve proceder para fazer um diagnóstico de seu negócio e identificar possíveis focos de dificuldades?
MTS – O primeiro sinal de que o negócio está em crise é a redução crescente do lucro da loja. Quando o varejista percebe isso, mas não faz nada achando que é uma fase, ele comete um grande erro que vai culminar no momento em que a loja não vende o suficiente para pagar os seus compromissos. Alguns segmentos do varejo sofrem com a sazonalidade e os empresários precisam ter em mente que o lucro a mais de alguns meses precisa ser administrado para a sobrevivência nos meses de menor venda. A falta dessa conscientização e do planejamento necessário faz com que o negócio passe a precisar de injeção de recursos de terceiros (bancos, venda de cotas de sociedade, etc.). Os empresários têm cometido um erro crucial, que independe da conjuntura econômica: eles só vão avaliar os problemas da empresa quando a situação já está difícil de ser contornada. É preciso fazer análises quando o negócio está bem, avaliando o que poderá ser melhorado para minimizar problemas quando for preciso enfrentar variáveis incontroláveis, como a crise que estamos vivenciando.
FRASES
Uma empresa que não possui site está fora do mercado.
Muitos varejistas não têm fluxo de caixa e acabam se endividando, o que prejudica muito a manutenção do negócio
É preciso que os empreendedores avaliem de forma constante o seu negócio e verifiquem sempre quais mudanças podem ser feitas para minimizar custos e aumentar a receita