Mobilização política do setor marca o 1º Congresso da Aliança Aftermarket Automotivo -

Mobilização política do setor marca o 1º Congresso da Aliança Aftermarket Automotivo

Participantes reforçaram a importância de uma frente ampla para promover as pautas do Right to Repair e da Inspeção Técnica Veicular

Aconteceu na quarta-feira, 23/04, no mezanino do São Paulo Expo, durante a programação da Automec 2025, o 1º Congresso da Aliança Aftermarket Automotivo.

O evento marcou um passo importante na articulação institucional do setor de reposição ao simbolizar a consolidação de uma mobilização dos diversos players do aftermarket automotivo iniciada há dois anos, com a assinatura a adesão das entidades ANDAP/SICAP, Anfape, ASDAP, Conarem, Sincopeças Brasil e Sindirepa Brasil à Carta de Fortaleza, durante a Autop.

Coube ao presidente da Autop, Rodrigo Carneiro, a missão de abrir oficialmente os trabalhos. Em sua fala, ele relembrou que a criação da Aliança foi motivada por um paradoxo inquietante: o aftermarket brasileiro é o quarto maior mercado de reposição do mundo, responsável por manter 63% da frota do modal rodoviário nacional em circulação — e, ainda assim, segue com baixa representatividade política no país.

“Isso ficou claro ontem quando, a despeito de ter feito sua lição de casa antes da abertura da Automec, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, ter demonstrado não ter uma ideia clara sobre nossas pautas e sobre a importância do nosso setor para a economia do país”, afirmou.

Com mais de três décadas de atuação na diretoria da Andap, Carneiro destacou que o setor não é apenas relevante globalmente pela volumetria, mas também pelo seu protagonismo em soluções técnicas e inovações.

“A Aliança nasceu para que deixemos de ser vistos como um setor periférico quando dialogamos com os formuladores de políticas públicas”, afirmou.

Ao final de sua fala, Carneiro apresentou um QR Code convidando os presentes a assinarem uma petição pública em defesa do Right to Repair.

Engatinhando no Brasil, Right to Repair já realidade na pauta global

Para discutir o direito à reparação, o evento contou com a presença de Bill Hanvey, presidente e CEO da Auto Care Association (EUA), uma das maiores vozes globais da causa.

Em sua apresentação, Hanvey parabenizou a mobilização do setor brasileiro e alertou para as ameaças políticas e tecnológicas enfrentadas pela reparação independente no mundo todo, bem como convocou os presentes a terem orgulho dos serviços prestados pelo aftermarket independente no mundo.

“Nossa indústria cuida de 1,5 bilhão de veículos globalmente e movimenta mais de US$ 2,3 trilhões por ano. Ainda assim, ela está sendo atacada pelas montadoras que tentam controlar o acesso à informação”, afirmou.

Para ilustrar o problema, o palestrante apresentou os resultados de uma pesquisa realizada com mais de mil oficinas nos Estados Unidos, revelando que 63% enfrentam dificuldades para acessar dados com frequência semanal ou diária, e que 51% dos reparadores gastam ao menos quatro horas semanais tentando acessar informações de veículos — muitas vezes sem sucesso.

Segundo ele, essa barreira à informação técnica causa prejuízos reais ao direito do consumidor e, claro, à sustentabilidade econômica dos players do aftermarket independente dos EUA, já que causa uma evasão de  US$ 3 bilhões  nos EUA devido a impossibilidade sde diagnóstico provocada pela ausência de dados.

“E essa situação tende a piorar à medida que tecnologias como a telemetria e os veículos definidos por software se tornarem predominantes”, advertiu Hanvey.

Apesar do problema ser de amplo conhecimento, o americano ressaltou que sua resolução esbarra em diversos problemas – dentre os quais se destaca um conflito ferrenho com as montadoras.

Para ilustrar a atuação agressiva dos fabricantes de automóveis para barrar o avanço da pautas, ele relembrou a campanha realizada durante uma votação popular em Massachusetts sobre o tema.

“Elas (montadoras) gastaram mais de US$ 30 milhões em uma campanha difamatória, tentando convencer a população de que nós usaríamos os dados para fins maliciosos — como roubar carros. Um absurdo completo”, criticou o palestrante, complementando que, apesar da campanha, 82% da população votou a favor do direito de reparar.

“A vitória nas urnas, no entanto, não não se traduziu em implementação imediata: Isso porque o lobby das montadoras conseguiu judicializar a decisão e atrasar seu cumprimento, mostrando como o poder político ainda pesa contra nós”, apontou Hanvey.

Segundo ele, a estratégia global da Auto Care Association tem sido apoiar mobilizações locais como a brasileira, sempre respeitando o protagonismo nacional. “Nós damos suporte, mas essa luta é de vocês. E para vencê-la, é preciso união e comunicação com a sociedade”, reforçou.

Exclusivo para o Diário da Automec: Bill Hanvey comenta desafios políticos do right to repair

Diário da Automec – Você comentou que mesmo ‘ganhando na justiça’, o aftermarket dos Estados Unidos tem tido dificuldade para impulsionar, de fato, o compartilhamento dos dados sem restrições. Como superar este momento?

Bill Hanvey – Temos apostado na Federal Trade Commission (FTC), que é uma agência independente com a responsabilidade de agir quando há práticas anticompetitivas. Ela pode investigar condutas ilegais por parte das montadoras, especialmente quando há recusa em compartilhar informações de diagnóstico e reparo. Se for comprovado que há restrição intencional de acesso a dados, isso pode ser classificado como uma violação da lei, o que abre caminho para multas e penalidades.

Mesmo assim, é importante entender que a FTC não age de forma automática. Para que haja enforcement, é necessário que o setor ou consumidores entrem com uma denúncia formal, apresentando evidências sólidas de que houve obstrução ao direito de reparar. Muitas vezes, mesmo quando há um entendimento técnico sobre a violação, a ação só ocorre depois que os danos já aconteceram, o que representa um desafio para o mercado independente.

Diário da Automec – Aqui no Brasil, as montadoras têm demonstrado um interesse crescente no mercado de reposição. Nos Estados Unidos isso também está acontecendo? Como vocês estão lidando com isso?

Bill Hanvey – Claro que sim, hoje as montadoras têm um interesse estratégico no aftermarket. Mas o problema é que elas perceberam que, com o avanço da tecnologia e a digitalização dos veículos, é possível controlar o acesso ao reparo como forma de manter receita e domínio sobre a jornada do consumidor.

Nós, da reposição independente, não queremos proteção ao nosso espaço. As montadoras podem entrar e concorrer normalmente. A única coisa que pedimos é a chance de competir em iguais condições e, para isso, precisamos ter acesso a dados e informações.

Outra convidada a abordar o tema foi a advogada Raquel Preto. Em sua palestra, ela reforçou que o Right to Repair transcende o setor automotivo largamente o setor automotivo.

“Essa é uma pauta fundamental do ponto de vista social, ambiental e econômico”, afirmou Preto.

Em tom otimista, ela destacou que, apesar do Brasil estar atrasado em relação a outros países, bem como do fato das montadoras contarem com um poder político dominante, a história brasileira da quebra de patentes no setor farmacêutico nos anos 2000 mostra que há esperança de um desfecho positivo.

“Naquela ocasião, nos tornamos um exemplo global e revelamos que com coragem política e mobilização popular é possível combater o abuso dos grandes players”, destacou.

Ao comentar seu envolvimento na causa, ela relembrou que este nasceu após ela ter se deparado com uma ‘volumetria absurda’ de ações judiciais movidas por consumidores contra os fabricantes de seus veículos.

“Quando eu vasculhei, vi que não são centenas ou milhares de ações. São milhões. Isso me impressionou muito porque, na minha experiência,as pessoas só apelam ao judiciário quando estão esgotadas e quase sem esperança. No caso do setor automotivo, isso tem acontecido porque os proprietários de veículos estão sendo submetidos a meses de espera pela dificuldade de reparar seus veículos, seja pela ausência de peças ou porpura falta de acesso à informação”, afirmou.

Antes de finalizar, Raquel utilizou sua experiência pessoal para apontar a incongruência do cenário da reposição automotiva em relação à realidade de outros segmentos.

“Eu não quero abrir mão do meu mecânico porque ele não tem acesso a um dado do meu carro. Para mim isso é absurdo. Já pensou, por exemplo, ter de abrir seu médico ou do seu advogado por algum motivo externo e injusto? Precisamos lutar contra isso por meio da mobilização popular e de uma atuação concreta junto ao poder público”, finalizou a advogada.

Inspeção Técnica Veicular também foi destaque no evento

Repetindo uma das demandas principais da manhã de abertura da Automec, o presidente do Sincopeças Nacional, Ranieri Leitão, aproveitou o espaço para lamentar a falta de avanço da inspeção veicular obrigatória no Brasil.

Segundo ele, a ausência de representação política direta do aftermarket no Congresso Nacional é um dos principais entraves para o avanço da pauta e, nesta esteira, protagonizou um dos momentos mais curiosos do Congresso da Aliança ao sugerir o nome do presidente do Sindirepa, Antonio Fiola, como uma figura em potencial para preencher essa lacuna no futuro próximo.

Para simbolizar os problemas causados pela falta de engajamento do poder público na promoção da Inspeção Técnica Veicular, Leitão relatou que recentemente tratou do tema com o ministro dos Transportes, Renan Filho, e ouviu que a pauta é inapropriada pelo momento por ser impopular ao ‘gerar custos adicionais aos motoristas.

“A percepção do governo é de que a inspeção prejudicaria a população mais pobre. Mas isso é uma falsa oposição, já que este e outros nichos sociais são prejudicados por questões como a falta de segurança no trânsito e a poluição.”, apontou.

Para dar sequência ao tema, Claudio Torelli, diretor do Grupo CATA, subiu ao palco para apresentar a experiência do estado de São Paulo.

O especialista contou que a unidade da federação já conta com a estrutura necessária para realizar as inspeções com recorrência ao possuir 504 estações de inspeção em operação, bem como centenas de engenheiros e técnicos aptos a realizarem as avaliações.

Torelli afirmou que, mais do que existirem, essas estruturas já operam regularmente em vistorias obrigatórias em veículos transformados, carros envolvidos em acidentes de média monta e em frotas como táxis e ônibus escolares.

“Esse sistema já poderia ser facilmente ampliado para cumprir o que já está previsto no Código de Trânsito Brasileiro”, garantiu Torelli.

Baseado nessa experiência, o palestrante reforçou que os resultados práticos da inspeção veicular são evidentes. Isso porque, desde que se tornou obrigatória para táxis e ônibus escolares em 2021, os índices de reprovação caíram 50%.

“Os donos passaram a fazer manutenção preventiva com base nos itens que sabiam que seriam avaliados”, compartilhou.

Para encerrar, o palestrante e autor do livro ‘Vidas Preservadas’ fez referência ao caso espanhol, cuja inspeção regular de 25 milhões de veículos evita cerca de 15.700 sinistros e 150 mortes provenientes de acidentes, bem como outras 575 mortes causadas por emissão de poluentes todos os anos.

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